Qual a lei nacional aplicável?

França
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Rede Judiciária Europeia (em Matéria Civil e Comercial)

1 Fontes do direito positivo

1.1 Direito interno

O direito internacional privado não é objeto de qualquer codificação ou legislação específica. Os princípios e normas em matéria de conflito de leis foram, na sua maioria, estabelecidos pela jurisprudência, com algumas exceções, e encontram-se dispersos em vários códigos, principalmente no Código Civil, de acordo com a matéria em causa.

O conteúdo dos diferentes códigos pode ser consultado em linha:

https://www.legifrance.gouv.fr

1.2 Convenções internacionais multilaterais

A França está vinculada a 24 convenções adotadas sob a égide da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado. A lista destas convenções pode ser consultada no sítio Web da Conferência.

https://www.hcch.net/fr/states/hcch-members/details1/?sid=39

A França também faz parte de outras convenções multilaterais, nomeadamente em matéria de normas materiais, como a Convenção de Viena de 1980 sobre a compra e venda internacional de mercadorias.

Todas as convenções de que França faz parte estão referenciadas na base de dados relativa aos tratados e acordos detida pelo Ministério da Europa e dos Negócios Estrangeiros: https://basedoc.diplomatie.gouv.fr/exl-php/cadcgp.php

1.3 Principais convenções bilaterais

A França assinou inúmeras convenções bilaterais, algumas das quais incluem normas em matéria de conflito de leis. Essas convenções podem também ser consultadas na base de dados referida.

2 Aplicação das normas de conflitos de leis

2.1 Aplicação oficiosa das normas de conflitos de leis

O estatuto processual da norma em matéria de conflito de leis varia consoante as partes dispõem ou não da livre disposição dos direitos em causa, independentemente da fonte de que provém a norma em matéria de conflito visada (direito nacional, regulamentação europeia, convenção internacional).

Quando um litígio envolve uma matéria na qual as partes dispõem de livre disposição dos seus direitos, ou seja, essencialmente em matéria patrimonial (contratos, responsabilidade civil, direitos reais, etc.), o juiz não é obrigado a aplicar oficiosamente a norma de conflitos de leis se nenhuma das partes invocar a aplicação de uma lei estrangeira. É uma faculdade que lhe assiste, salvo acordo processual das partes a favor do direito francês. Cabe, por conseguinte, às partes solicitar a aplicação da norma em matéria de conflito de leis.

Em contrapartida, quando um litígio envolve uma matéria em que as partes não dispõem da livre disposição dos seus direitos, essencialmente em matéria extrapatrimonial (estatuto pessoal), o juiz é obrigado a aplicar oficiosamente a norma de conflitos de leis.

2.2 Reenvio

O princípio do reenvio tem, desde há muito tempo, vindo a ser admitido pela jurisprudência, quer se trate do reenvio de primeiro grau (reenvio para o direito francês, que é desde logo aplicável) ou do reenvio de segundo grau (reenvio para uma lei de um Estado terceiro que admite a sua competência).

A jurisprudência tem vindo a aplicar regularmente o reenvio, sob reserva da sua exclusão pela regulamentação comunitária ou pela convenção internacional aplicável, em matéria de estatuto pessoal, em matéria de validade formal dos atos jurídicos, nomeadamente em matéria de matrimónio e de testamento. No que diz respeito à sucessão, a jurisprudência tende atualmente a limitar o reenvio apenas aos casos em que este permite assegurar a unidade sucessória através da aplicação de uma só lei à herança de bens mobiliários e de bens imobiliários.

Em contrapartida, a jurisprudência sempre excluiu o procedimento de reenvio nas matérias em que as partes podem escolher a lei aplicável, como é o caso dos regimes matrimoniais e dos contratos.

2.3 Alteração do fator de conexão

Entende-se por conflito móvel um conflito de leis ao nível temporal, ocasionado por uma mudança ocorrida no fator de conexão ao nível espacial. O problema reside em saber a que condições pode uma nova lei aplicar-se em detrimento da resultante da situação anterior.

A norma de conflitos de leis poderá em si determinar as condições de aplicação no tempo do critério de conexão por si estabelecido. Por exemplo, a norma de conflitos avançada pelo artigo 311.º-14 do Código Civil em matéria de filiação estabelece as condições de aplicação no tempo do seu critério de conexão, já que estipula que a lei pessoal da mãe deve ser apreciada a partir do dia do nascimento da criança.

Excetuando este exemplo, as soluções são fornecidas pela jurisprudência que tende a fundamentar-se nos princípios do direito transitório francês, como seja, por um lado, a aplicação imediata da lei mais recente para efeitos futuros de situações já existentes e, por outro lado, a não retroatividade da lei mais recente para apreciar a constituição ou extinção de um nexo de direito.

Assim, em matéria de matrimónio, a lei mais recente é de aplicação imediata aos efeitos do matrimónio assim como à sua dissolução. Em contrapartida, as condições relativas à celebração do matrimónio continuam a reger-se pela lei aplicável no momento da sua conclusão.

Os direitos reais mobiliários são, quanto a si, imediatamente regulados pela lei da nova situação do bem em causa. Esta solução também se aplica a todas as garantias convencionais constituídas no estrangeiro. Essas garantias não terão, por conseguinte, qualquer efeito em França quando o bem for introduzido no seu território, na medida em que não correspondem aos modelos estabelecidos pelo direito francês. Assim, uma cláusula de reserva na Alemanha a favor de um credor alemão para um bem situado na Alemanha, mas posteriormente introduzido em França não pode ser invocada em França, visto que constituiria um pacto comissório não permitido à luz da lei francesa.

2.4 Exceções à aplicação normal das normas de conflitos

- Aplicação imediata de uma lei de polícia francesa ou estrangeira

As disposições materiais da lei francesa e de qualquer lei estrangeira são suscetíveis de serem imediatamente aplicadas por um juiz francês, sem recorrer ao método de conflitos, na medida em que podem ser consideradas como disposições de uma lei de polícia. O direito francês não estabelece qualquer definição quanto à noção de lei de polícia. Cabe portanto ao juiz fazer tal apreciação caso a caso.

- Exceção de ordem pública internacional

As disposições materiais da lei estrangeira normalmente aplicável ao abrigo da norma de conflitos de leis também podem ser afastadas, no seu todo ou em parte, a título de exceção de ordem pública internacional, e substituídas pelas disposições da lei francesa. Na ausência de uma definição precisa, resulta da jurisprudência que a exceção de ordem pública internacional abrange em primeiro lugar os princípios essenciais ou fundamentais do direito francês, como a dignidade, a liberdade humana (incluindo matrimonial) e a integridade física das pessoas. Abrange ainda uma noção mais flutuante no tempo e no espaço, como sejam, as medidas legislativas imperativas francesas, cujos contornos dependem da apreciação in concreto do juiz.

- Exceção de fraude à lei

A lei estrangeira também pode ser afastada quando a sua aplicação resulta de uma fraude à lei, ou seja, na sequência de manobras intencionais destinadas a torná-la artificialmente competente para substituir uma lei que seria normalmente aplicável no mesmo contexto. Estas manobras podem consistir, por exemplo, na manipulação voluntária do critério de conexão, como da categoria jurídica de conexão.

- Impossibilidade de determinar o conteúdo do direito estrangeiro aplicável

A lei francesa ainda pode aplicar-se a título subsidiário quando não for possível determinar o conteúdo da lei estrangeira normalmente aplicável.

2.5 Prova do direito estrangeiro

Após algumas hesitações, a jurisprudência passou a ser bem clara: cabe ao juiz francês que reconhece a aplicabilidade de uma lei estrangeira, seja de forma oficiosa ou a pedido de uma das partes, determinar o conteúdo dessa lei, com ajuda das partes e pessoalmente, caso necessário. Esta solução é de aplicação geral, quer as partes possam ou não dispor livremente dos seus direitos.

3 Normas de conflitos de leis

3.1 Obrigações contratuais e atos jurídicos

Sem prejuízo das convenções multilaterais ou bilaterais aplicáveis por força de um contrato, a anterior norma de conflitos de leis estabelecida nessa matéria pela jurisprudência só pode ser aplicada se o contrato em causa não se enquadrar no âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.° 593/2008 «Roma I» ou da Convenção de Roma de 1980 relativa à lei aplicável às obrigações contratuais, que este regulamento veio substituir.

A norma francesa de conflitos de leis estabelecida pela jurisprudência prevê a lei da autonomia. Um contrato é, deste modo, regulado pela lei escolhida pelas partes contratantes e, na ausência de tal lei, pela lei do Estado com que esse contrato mantém, objetivamente e à luz das circunstâncias em causa, conexões mais diretas.

A forma dos atos jurídicos é regulada pela lei vigente no país em que foram celebrados, a menos que, se tal lhes for possível, as partes tenham expressamente acordado submeter a forma desse ato à lei por si determinada como sendo aplicável quanto à matéria de fundo.

3.2 Obrigações não contratuais

Relativamente aos factos geradores de danos, ocorridos antes da entrada em vigor do Regulamento «Roma II», a lei aplicável é a do país onde ocorreu o facto danoso, sendo este entendido como o país onde ocorreu o facto gerador do dano ou onde ocorreu o próprio dano.

3.3 Estatuto pessoal, aspetos relativos ao estado civil (nome, domicílio, capacidade)

Nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Código Civil, o estado e a capacidade de uma pessoa singular são regulados pela lei do Estado de nacionalidade (lei pessoal ou lei nacional).

Todavia, o domínio da lei pessoal reduz-se essencialmente às questões relativas à capacidade de exercício das pessoas singulares (incapacidade de celebrar atos jurídicos).

Em princípio, as decisões judiciais que declaram ou estão relacionadas com o estado e a capacidade das pessoas produzem efeitos em França, independentemente de qualquer declaração de executoriedade, exceto nos casos em que deem origem a medidas de execução material sobre bens ou medidas de coerção sobre pessoas.

O domicílio não é um fator contemplado pela lei pessoal, na medida em que não representa nenhuma categoria de conexão específica. É antes contemplado pela lei aplicável às diferentes instituições que preveem a sua tomada em consideração.

De igual modo, se o apelido não é contemplado por qualquer norma de conflitos de leis específica, o(s) progenitor(es) que pretenda(m) declarar ou alterar o apelido da sua criança pode(m) invocar a lei pessoal aplicável para esse fim.

Por último, os procedimentos aplicáveis à alteração de nome são regulados pela lei pessoal do interessado, em conformidade com o artigo 3.º, n.º 3, do Código Civil, tal como interpretado pela jurisprudência.

3.4 Estabelecimento da filiação, incluindo a adoção

3.4.1 Estabelecimento da filiação

Nos termos do artigo 311.º-14 do Código Civil, a filiação é regulada pela lei pessoal da mãe vigente no dia de nascimento da criança; se a identidade da mãe não for conhecida, é regulada pela lei pessoal da criança.

O artigo 311.º-15 do Código Civil estabelece, todavia, que se a criança e um ou ambos os progenitores possuírem residência habitual em França, comum ou separada, a posse de estado produz todos os efeitos decorrentes do direito francês, mesmo que os outros elementos relevantes para determinar a filiação possam depender de uma lei estrangeira.

Por último, nos termos do artigo 311.º-17 do Código Civil, o reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade é válido se for feito em conformidade com a lei pessoal do seu autor ou com a lei pessoal da criança.

Segundo a jurisprudência estabelecida pelo Tribunal Supremo, o artigo 311.º-17 é aplicável quer às ações de invalidade, quer às ações de contestação de um reconhecimento que devem poder ser interpostas ao abrigo, tanto da lei do autor, como da lei da criança.

3.4.2 Adoção

Nos termos do artigo 370.º-3 do Código Civil, as condições de adoção são sujeitas à lei nacional do adotante ou, no caso da adoção por dois cônjuges, à lei que regula os efeitos da sua união. A adoção não pode, todavia, ser pronunciada se for proibida pela lei nacional de ambos os cônjuges.

A adoção de um menor estrangeiro não pode ser pronunciada se a lei pessoal proibir esta instituição, a não ser que o menor tenha nascido em França e tenha a sua residência habitual nesse país.

Independentemente da lei aplicável, a adoção exige o consentimento do representante legal da criança. O consentimento deve ser livre, obtido sem qualquer contrapartida, após o nascimento da criança e informado relativamente às consequências da adoção, nomeadamente se visar a adoção plena, bem como sobre o caráter total e irrevogável da rutura dos laços de filiação pré-existentes.

Nos termos do artigo 370.º-4 do Código Civil, os efeitos da adoção pronunciada em França correspondem aos previstos na lei francesa.

O artigo 370.º-5 estabelece que a adoção pronunciada de forma regulamentar no estrangeiro produz em França os efeitos de uma adoção plena se romper de forma total e irrevogável os laços de filiação pré-existentes. A não verificar-se o caso, os efeitos serão os de uma adoção simples. Uma adoção simples pode ser convertida em adoção plena se os consentimentos requeridos tiverem sido expressamente prestados com pleno conhecimento de causa.

3.5 Casamento, união de facto, divórcio, separação judicial e obrigação de alimentos

3.5.1 Casamento

As regras de conflito são as previstas nos artigos 202.º-1 e 202.º-2 do Código Civil (codificação e adaptação da jurisprudência).

Nos termos do artigo 202.º-1, primeiro parágrafo, as qualidades e condições exigidas para poder contrair matrimónio são reguladas pela lei pessoal de cada um dos cônjuges. No entanto, seja qual for a lei pessoal aplicável, o casamento requer o consentimento dos cônjuges, nas condições previstas pelo direito francês nos artigos 120.º e 180.º do Código Civil.

Além disso, o segundo parágrafo estipula que duas pessoas do mesmo sexo podem contrair matrimónio quando, pelo menos para uma delas, assim o permitir a lei pessoal ou a lei do Estado em cujo território tem o seu domicílio ou a sua residência. O Tribunal Supremo já confirmou, num acórdão de 28 de janeiro de 2015, que este segundo parágrafo do artigo 202.º-1 do Código Civil deveria ser interpretado no sentido de reservar a aplicação subsidiária da lei francesa a título de exceção de ordem pública internacional. Assim, se uma lei estrangeira normalmente aplicável enquanto lei pessoal de um dos cônjuges proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a mesma deve ser parcialmente derrogada no que diz respeito às disposições que forem contrárias a um ato legislativo francês particular (ver supra, relativamente à exceção de ordem pública).

A aplicação destas disposições afigurou-se, no entanto, delicada nos casos em que França está vinculada a um Estado estrangeiro por uma convenção bilateral (casos da Argélia, do Kosovo, do Laos, da Macedónia, de Marrocos, de Montenegro, da Polónia, da Sérvia, da Eslovénia e da Tunísia), cujas disposições remetem, no que diz respeito ao casamento, exclusivamente para a lei pessoal do marido para apreciar as condições de fundo exigidas para contrair casamento, lei essa que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A situação jurídica destas pessoas já foi, no entanto, clarificada pelo acórdão do Tribunal Supremo de 28 de janeiro de 2015 (recurso n.º 13-50.059), que rejeitou a lei marroquina designada como aplicável pela Convenção franco-marroquina, por aplicação do artigo 4.º da mesma Convenção que estipula que a lei de um dos dois Estados designados pela Convenção pode ser afastada pelos órgãos jurisdicionais do outro Estado, se for manifestamente incompatível com a ordem pública, sendo este o caso quando, para pelo menos um dos cônjuges, a lei pessoal ou a lei do Estado em cujo o território este possui o seu domicílio ou a sua residência permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Nos termos do artigo 202.º-1 do Código Civil, a forma do casamento é regulada pela lei do país onde é celebrado o casamento.

Por último, no que diz respeito aos efeitos puramente pessoais do casamento, a lei normalmente aplicável é, nos termos da jurisprudência, a lei da nacionalidade comum dos cônjuges, na falta de residência comum habitual dos cônjuges ou na falta de lei francesa do foro. Os efeitos patrimoniais são, quanto a si, do domínio da lei aplicável ao regime matrimonial ou à sucessão.

3.5.2 União de facto

A união de facto ou concubinato não é objeto de qualquer norma de conflitos de leis específica, na medida em que, no direito francês, as relações entre concubinos não são abrangidas por uma categoria jurídica especial, mas derivam sim de uma situação de facto. Essas relações são, deste modo, reguladas pelo direito comum das obrigações. Por conseguinte, consoante o tipo de litígio e a natureza jurídica da relação entre os concubinos, a lei aplicável será a lei relativa à responsabilidade extracontratual, aos bens ou à sucessão.

Em contrapartida, as parcerias registadas são abrangidas por uma norma de conflitos especial prevista no artigo 515.º-5-1 do Código Civil, nos termos do qual as condições de formação e os efeitos de uma parceria registada, bem como as causas e os efeitos da sua dissolução estão sujeitos às disposições materiais do Estado a que pertence a autoridade que procedeu ao seu registo.

O Regulamento (UE) 2016/1104, de 24 de junho de 2016, aplicável aos efeitos patrimoniais das parcerias registadas estabelece como norma de conflitos de leis em primeiro lugar a lei escolhida pelos parceiros (de entre a lei do Estado da sua nacionalidade, a lei do Estado da sua residência habitual e a lei do Estado onde foi registada a parceria) e, caso estes não tenham designado nenhuma para o efeito, a lei do Estado nos termos da qual a parceria registada foi estabelecida. Este regulamento será aplicável a partir de 29 de janeiro de 2019.

3.5.3 Divórcio e separação judicial

As normas de conflito são as enunciadas no Regulamento (UE) n.° 1259/2010 «Roma III», que cria uma cooperação reforçada no domínio da lei aplicável em matéria de divórcio e separação judicial.

Para as ações interpostas antes de 21 de junho de 2012, data de entrada em vigor deste regulamento, a norma de conflitos era a prevista no artigo 309.º do Código Civil, nos termos do qual o divórcio se regia pela lei francesa caso os cônjuges tivessem nacionalidade francesa comum à data do início do procedimento judicial, caso possuíssem residência, comum ou separada, em França ou caso nenhuma lei estrangeira fosse reconhecida como aplicável quando os tribunais franceses fossem a instância competente para regular o divórcio.

Responsabilidade parental

As normas de conflito de leis são enunciadas nos artigos 15.º e seguintes da Convenção de Haia de 19 de outubro de 1996 no que respeita à jurisdição, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de responsabilidade parental e de medidas de proteção dos filhos.

Fora de qualquer processo e de qualquer intervenção de uma autoridade judicial ou administrativa, a atribuição ou extinção de pleno direito da responsabilidade parental, assim como o exercício da responsabilidade parental, são regulados pela lei do Estado de residência habitual da criança.

Quando uma autoridade francesa é chamada a pronunciar-se, aplica, por princípio, a lei francesa. Poderá, todavia, e a título excecional, aplicar ou tomar em consideração a lei de outro Estado com o qual a situação apresente uma conexão estreita.

3.5.4 Obrigação de alimentos

Nos termos do artigo 15.º do Regulamento (CE) n.º 4/2009, relativo às obrigações alimentares, a lei aplicável nesta matéria é determinada de acordo com o Protocolo de 23 de novembro de 2007, sobre a Cobrança Internacional de Alimentos em benefício dos Filhos e de outros Membros da Família. O princípio é o da aplicação da lei do Estado de residência habitual do credor, mas as partes podem designar por comum acordo, para um processo já instaurado, a lei do foro ou uma das seguintes leis:

a) a lei do Estado do qual uma das partes seja nacional aquando da designação;

b) a lei do Estado da residência habitual de uma das partes aquando da designação;

c) a lei designada pelas partes como aplicável ao seu regime matrimonial ou a lei efetivamente aplicada ao mesmo;

d) a lei designada pelas partes como aplicável ao seu divórcio ou separação judicial ou a lei efetivamente aplicada ao seu divórcio ou separação judicial.

3.6 Regimes matrimoniais

As normas de conflito previstas pela Convenção de Haia de 14 de março de 1978 sobre a lei aplicável aos regimes matrimoniais aplicam-se aos cônjuges casados a partir de 1 de setembro de 1992, em conjugação com as disposições de adaptação especialmente previstas nos artigos 1397.º-2 a 1397.º-5 do Código Civil.

Uma vez que a Convenção não prevê o domínio da lei aplicável, este continua a ser determinado à luz dos princípios consagrados pela jurisprudência francesa nesta matéria. Assim, a lei aplicável por força da Convenção regulará a composição do património dos cônjuges, os direitos, as obrigações e os poderes entre si durante o casamento, bem como a dissolução do regime matrimonial e a liquidação após o casamento.

As normas francesas de conflito de leis aplicam-se aos cônjuges que contraíram matrimónio antes de 1 de setembro de 1992. As mesmas preveem que o regime matrimonial, independentemente de ter sido ou não celebrado um contrato quanto à forma, é regulado pela lei que os cônjuges tenham designado no momento em que celebraram o matrimónio, explícita ou implicitamente, mas de forma inequívoca.

Os cônjuges que contraiam matrimónio ou que designem a lei aplicável ao seu regime matrimonial depois de 29 de janeiro de 2019 estarão abrangidos pelo âmbito de aplicação do Regulamento (UE) 2016/1103, de 24 de junho de 2016, que implementa a cooperação reforçada no domínio da competência, da lei aplicável, do reconhecimento e da execução de decisões em matéria de regimes matrimoniais

Na falta de escolha expressa ou implícita, importa determinar qual foi a vontade das partes, com base na presunção simples como, por exemplo, a da lei do primeiro domicílio comum.

3.7 Testamento e sucessões

As disposições do Regulamento (UE) n.º 650/2012, de 4 de julho de 2012, são aplicáveis às sucessões de pessoas falecidas a partir de 17 de agosto de 2015. O artigo 21.º do regulamento designa como lei aplicável ao conjunto da sucessão a lei do Estado onde o falecido tinha residência habitual no momento do óbito.

As sucessões de pessoas falecidas antes de 17 de agosto de 2015 continuam a ser reguladas pelas normas francesas de conflito de leis. Estas estabelecem um sistema dualista, dividindo a sucessão internacional de uma mesma pessoa entre, por um lado, um conjunto de bens mobiliários e, por outro, um ou mais conjuntos de bens imobiliários, se for caso disso.

A sucessão mobiliária, que abrange bens corpóreos e incorpóreos, é regulada pela lei do último domicílio do falecido.

A sucessão imobiliária é regulada pela lei do Estado onde se situa o bem imóvel, podendo todavia os tribunais franceses aplicar a lei francesa através do reenvio caso este procedimento permita assegurar a unidade sucessória através da aplicação de uma única lei aos bens móveis e imóveis (ver supra).

A lei aplicável às sucessões ab intestat, determinada de acordo com as normas de conflito, regula também as condições de fundo e os efeitos das sucessões testamentárias ou contratuais. Todavia, as condições relativas à forma dos testamentos são do domínio da Convenção de Haia de 5 de outubro de 1961, cujas disposições são aplicáveis desde 19 de novembro de 1967.

Por outro lado, França está vinculada à Convenção de Washington de 26 de setembro de 1973, em vigor desde 1 de dezembro de 1994, nos termos da qual qualquer testamento redigido em conformidade com as formas previstas deve ser reconhecido para efeitos de validade formal em todos os Estados contratantes.

3.8 Direitos reais

Nos termos do artigo 3.º, 2.º parágrafo, do Código Civil, os bens imóveis, assim como todos os direitos reais e conexos são regulados pela lei do Estado onde estiverem situados.

3.9 Insolvência

Fora do âmbito de aplicação dos Regulamentos (UE) n.º 1346/2000 e n.º 2015/848, a jurisprudência sempre admitiu a possibilidade de instauração de um processo coletivo em França contra um devedor, desde que este tenha a sua sede ou um dos seus estabelecimentos nesse país. O mesmo se aplica para os credores franceses, com base no privilégio de jurisdição previsto no artigo 14.º do Código Civil.

A lei aplicável aos processos instaurados em França é necessariamente a lei francesa, que regula as condições de abertura, a tramitação do processo e os seus efeitos, nomeadamente a penhora de títulos. Todos os credores, incluindo os que não residem em França, podem reclamar os seus créditos. Os processos assim instaurados em França podem, em princípio, cobrir a totalidade dos bens do devedor, incluindo os situados no estrangeiro, na condição de, naturalmente, as decisões francesas serem reconhecidas no estrangeiro.

Por último, um processo coletivo aberto no estrangeiro produzirá efeitos em França, desde que não tenha sido aberto ainda nenhum processo em França e desde que as decisões tomadas no estrangeiro sejam executórias.

Última atualização: 17/12/2020

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