SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
23.11.1999, 99A796
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
O M.P. intentou contra B acção com processo sumário, ao abrigo do disposto no artigo 26º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, tendo formulado os seguintes pedidos:
a) Que a Ré seja condenada a abster-se de utilizar as cláusulas contratuais gerais que constituem os nºs 7 (1ª parte, até "ocorrência"), 17 e 18 das "condições gerais de utilização" dos contratos de emissão e utilização de cartões de débito denominados "Caixautomática/Multibanco", "Caixautomática Electron" e "Eurocheque" em todos os contratos que, de futuro, venha a celebrar com os seus clientes, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição;
b) Que a a Ré seja condenada a dar publicidade a tal proibição, e a comprová-la nos autos, em prazo a determinar na própria sentença, sugerindo-se que tal seja efectuado em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos.
Fundamentando a sua pretensão, o A alegou que as referidas cláusulas foram previamente elaboradas pela R. e são apresentadas, já impressas, aos candidatos à obtenção dos referidos cartões, limitando-se cada candidato a preencher, nos espaços em branco constantes do rosto do impresso, a sua identidade e a assinar o contrato, sem que exista qualquer negociação entre a R. e a contraparte quanto ao teor dessas condições gerais de utilização e condições específicas.
E que tais cláusulas são nulas, uma vez que: (a) alteram as regras respeitantes à distribuição do risco, sendo, por isso, absolutamente proibidas em face do artigo 21º, alínea f), do DL nº 446/85; (b) permitem à Ré predisponente denunciar livremente o contrato sem pré-aviso adequado, e resolver o contrato sem motivo justificado previamente conhecido do outro contraente ou fundado na lei.
Contestando, a Ré pediu a absolvição do pedido, alegando que, entre a Ré e a contraparte há um acordo de vontades, e que a circunstância de tais cláusulas se encontrarem pré-impressas não retira ao interessado na obtenção do cartão a sua liberdade de contratar. Mais alegou que a cláusula 7ª, a operar uma alteração nas regras relativas ao risco, o faz em sentido contrário ao alegado pelo A, uma vez que a R. aceita, por via dela, suportar o risco no montante que exceder o contravalor de 15o ECU por ocorrência no período anterior à comunicação, no caso de utilização abusiva por terceiro em caso de extravio, furto, roubo ou falsificação do cartão, quando, se assim não fora, o respectivo titular deveria suportá-lo por inteiro. Mais refere que essa cláusula é imposta à Ré face ao disposto pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 166/95, de 15 de Julho, pelo Aviso nº 4/95 do Ministério das Finanças, de 27.07.95 e pela Instrução do Banco de Portugal nº 47/96 (BNBP nº 1, de 17.06.96), tudo em conformidade com o nº1 do artigo 6º da Recomendação da Comissão das Comunidades Europeias, de 30.07.97, relativa às transacções realizadas através de um instrumento de pagamento electrónico. Alega por fim que também as cláusulas 17ª e 18ª não violam as cláusulas contratuais gerais, devendo ser mantidas, uma vez que, não só há justo motivo para a resolução do contrato (cláusula 17ª), mas também o prazo de três dias para a livre denúncia é hoje suficiente para que o titular do cartão - assim o entendendo - celebre outros contratos e obtenha novos cartões.
Proferida, em 23.04.98, sentença no saneador, foi decidido, em síntese: (a) declarar a nulidade das cláusulas 17ª e 18ª, por violação do disposto no artigo 22º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 220/95, operando a nulidade da cláusula 18ª apenas na parte em que confere à Ré a possibilidade de denunciar livremente o contrato desde que o comunique, por escrito, à parte contrária, com uma antecedência mínima de três dias; (b) condenar a Ré a abster-se de utilizar tais cláusulas, com o alcance referido, em todos os contratos que, de futuro, venha a celebrar; (c) condenar a Ré a dar publicidade a tal proibição; (d) absolver a Ré do restante pedido.
Inconformados, apelaram A. e Ré, na parte que lhes foi desfavorável, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 20.04.99, decidido: (a) julgar procedente a apelação do A em relação à cláusula 7ª e, em consequência, declarar a sua nulidade, de acordo com o pedido; (b) julgar procedente o recurso da Ré quanto à cláusula 17ª e, em consequência, revogar a decisão, quanto a ela, da 1ª instância, não se julgando, pois, tal cláusula proibida; (c) manter a decisão recorrida relativamente aos restantes pedidos, designadamente: (c1) declarando-se a nulidade da cláusula 18ª, com os efeitos constantes do saneador/sentença; (c2) condenando-se a Ré a abster-se de utilizar as cláusulas 7ª e 18ª; (c3) condenando-se a Ré a dar publicidade à decisão.
Continuando inconformados, trazem A. e Ré, na parte que lhes foi desfavorável, recurso de revista.
A) Conclusões oferecidas pela Ré:
1. Nos contratos de utilização dos cartões, autónomo do contrato de depósito, não há transferência do domínio sobre uma coisa;
2. Para além de que o contrato de depósito se não caracteriza essencialmente pela entrega de uma soma em dinheiro pelo depositante, mas sim pela existência de um crédito sobre um saldo, que pode até resultar de um crédito concedido pelo banqueiro;
3. No contrato de utilização do cartão, o seu titular tem a disponibilidade directa e imediata do crédito sobre o saldo da conta, podendo utilizar o cartão e proceder a levantamentos, mesmo sem a existência de saldo, como sucede nos levantamentos "off-line", e sem qualquer intervenção do depositário;
4. Mais, a utilização fraudulenta do cartão ocorre em circunstâncias tais - através de uma máquina automática - que o depositário fica impossibilitado de obstar à lesão do seu património, enquanto o depositante detém a derradeira oportunidade de evitar a consumação da lesão;
5. Numa altura em que o titular do cartão ainda não comunicou à emitente qualquer facto susceptível de levar à utilização indevida do mesmo, sendo legítima a sua co-responsabilização, até determinado montante, por tal utilização;
6. Assim, a cláusula 7ª das condições gerais de utilização dos cartões não é subsumível ao disposto no nº 1 do art. 796º do CC;
7. A situação em apreço configura um pagamento ao credor aparente, mas subsumível à excepção da al. f) do art. 770º do CC;
8. Trata-se de uma excepção ao regime do pagamento a credor aparente por determinação legal, ou seja, do art. 3º do Decreto-Lei nº 166/95 (...), que manda ter em conta, na situação dos autos, as Recomendações dos órgãos competentes da União Europeia, sendo que o nº 1 do artº 6º da Recomendação da Comissão das Comunidades Europeias, de 30.07.97, tem um conteúdo semelhante ao da cláusula em questão;
9. Mas ainda que, por mera hipótese de raciocínio, se estivesse perante uma hipótese de repartição do risco, os princípios da boa-fé que estão na base do regime das cláusulas contratuais gerais, consagrado no Decreto-Lei nº 446/85 (...), na redacção de Decreto-Lei nº 220/95 (...), deverão conduzir a uma interpretação restritiva do disposto na al. f) do seu art. 21º, de modo a só actuar nas situações de abuso do contraente que participou na estipulação das cláusulas gerais;
10. Já que a recorrente na elaboração das cláusulas dos contratos de utilização dos cartões respeitou os avisos e instruções do Banco de Portugal, entidade de supervisão e regulamentadora do sistema bancário e actuou conformemente às directrizes do legislador e das Recomendações da Comissão Europeia, não podendo por isso dizer-se que agiu abusando da sua posição de contraente mais forte, já que o conteúdo da estipulação não foi por si determinado, mas pelas autoridades monetárias;
11. De resto, a não ser assim, as instituições de crédito portuguesas ficariam em clara desvantagem face às restantes instituições de crédito da União Europeia, nas quais vigora o regime da citada Recomendação, contrariando a pretendida harmonização normativa, numa área de forte concorrência, o que seria de todo incompreensível e contrário ao interesse nacional;
12. Também o prazo de 3 dias de aviso prévio para a denúncia dos contratos de utilização dos cartões por parte da recorrente, previsto na cláusula 18ª, é adequado, face à existência de diversos meios de levantamento dos fundos depositados, para além do cartão;
13. E face à concorrência bancária, sobretudo tendo em conta a facilidade existente na concessão de cartões de débito, logo, na abertura das contas de depósito;
14. É ainda adequado porque necessário a evitar que, após a denúncia do contrato, o cartão possa ser indevidamente utilizado, com manifestos prejuízos para o recorrente;
15. Logo, a referida cláusula não viola o disposto na al. b) do nº 1 do art. 22º do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção do Decreto-Lei nº 220/95 (...);
16. Assim, o acórdão recorrido aplicou erradamente o disposto na al. f) do art. 21º e na al. b) do nº 1 do art. 22º do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção do Decreto-Lei nº 220/95 e violou o art. 3º do Decreto-Lei nº 166/95 (...).
B) Conclusões oferecidas pelo Autor
a) As cláusulas 17ª das "condições gerais de utilização" do cartão "Caixa Automática/Multibanco" (aplicáveis ao "Visa Electron" e ao "Eurocheque"), que estabelecem que "a inobservância, por qualquer das partes, das obrigações assumidas nos termos destas condições gerais e da lei constitui justo motivo de resolução imediata" são cláusulas contratuais gerais sujeitas às regras de Dec. Lei nº 446/85, de 25/10;
b) As referidas cláusulas 17ª permite à Ré, segundo o seu exclusivo critério, e sem necessidade de qualquer justificação, retirar imediatamente ao contraente-aderente a possibilidade de utilizar o dito cartão, uma vez que toda e qualquer acção ou omissão deste, intencional ou negligente, pode ser havida por "inobservância" do contrato e constituir "motivo justificável";
c) As cláusulas em causa violam em geral o princípio da boa-fé e concretamente o disposto na al. b) do artº 22º do Dec. Lei 446/85 na redacção do Dec Lei 220/95;
d) O douto acórdão recorrido violou, por incorrecta interpretação, as cláusulas 17ª das condições gerais de utilização do cartão "Caixautomática/Multibanco" (aplicáveis ao "Visa Electron" e ao "Eurocheque"), por permitir a resolução sem motivo justificativo e o disposto no art. 22º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei 446/85, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 220/95 (...).
C) Disse, em contra-alegações, a Ré:
1. A resolução imediata do contrato, prevista na cláusula 17ª está adequadamente motivada, já que está dependente da violação das obrigações assumidas pelo titular da cartão, constantes das condições gerais, ou da lei, logo, alicerçada em factos suficientemente concretizados;
2. Sendo que as obrigações constantes das condições gerais de utilização do cartão dizem respeito ao dever de colaboração do seu titular, com vista a conseguir-se as condições mínimas de segurança na sua utilização, evitando que o mesmo seja utilizado fraudulentamente, logo, a resolução é suficientemente justificada;
3. Assim, a referida cláusula não viola o disposto na al. b) do nº 1 do artº 22º (...), estando em perfeita harmonia com o disposto no art. 432º do CC.
Notificado, o A não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II
As instâncias deram como provados os seguintes factos:
1. A R. é uma sociedade comercial cujo objecto compreende a actividade bancária.
2. No exercício dessa actividade, a R. tem vindo a celebrar, em Portugal, com múltiplos clientes, contratos de emissão e utilização de cartões de débito, denominados "Caixautomática/Multibanco", "Caixautomática/Electron" e "Eurocheque", cujas cláusulas são as constantes dos impressos juntos a fls. 7 e ss.
3. Nos mencionados impressos, sob a epígrafe "condições gerais de utilização", constam cláusulas que foram pela R. previamente elaboradas e que são apresentadas, já impressas, aos candidatos à obtenção dos referidos cartões.
4. Limitando-se, em regra, cada candidato a preencher, nos espaços em branco constantes do rosto do impresso, a sua identidade e a assinar o contrato.
5. Sem que exista, em regra, qualquer negociação entre a R. e a contraparte quanto ao teor das "condições gerais de utilização" e "condições específicas".
6. Tais contratos-tipo destinam-se ainda a ser utilizados pela R. em contratações futuras com quaisquer interessados na obtenção dos referidos cartões.
7. Na cláusula 7ª das "condições gerais de utilização" do cartão "Caixautomática/Multibanco" (aplicáveis ao "Visa Electron" e ao "Eurocheque") estabelece-se que:
"Provando o titular o extravio, furto, roubo, ou falsificação do cartão, correm por sua conta os prejuízos sofridos em virtude da utilização abusiva do cartão, no período anterior à comunicação a que se refere o nº 6.2. destas condições, até ao montante correspondente ao contravalor em escudos de 150 ECU por ocorrência (...)".
8. Na cláusula 17ª das referidas condições gerais dispõe-se que:
"A inobservância por qualquer das partes das obrigações assumidas nos termos destas condições gerais e da lei constitui justo motivo de resolução imediata".
9. E na cláusula 18ª que:
"sem prejuízo do estipulado no nº 17, qualquer das partes pode denunciar livremente o contrato desde que o comunique, por escrito, à parte contrária, com uma antecedência mínima de três dias".
Mais foram dados como provados os seguintes factos constantes das "condições gerais":
a) O cartão é emitido pela B em nome do proponente, destinando-se a movimentar a conta de depósito à ordem indicada nesta proposta de adesão, através da sua utilização nas caixas automáticas (CA), terminais de pagamento automático (TPA) e outras máquinas automáticas.
b) O cartão pode efectuar transacções nas seguintes redes (...).
c) O cartão é propriedade da B (...).
III
Tendo sido interposto recurso da totalidade da decisão recorrida, ou seja, estando em questão a apreciação da conformidade legal das três cláusulas a que se refere a p.i., irá proceder-se à análise conjunta de ambas as revistas, seguindo-se, para tal, a ordem correspondente à numeração das referidas cláusulas.
Em causa está a validade ou a nulidade das cláusulas 7ª, 17ª e 18ª do contrato de adesão constante de fls. 7 a 10 que a B vem celebrando com clientes seus.
Considerando o âmbito do recurso - delimitado, salvo quanto à abordagem de questões de conhecimento oficioso, pelas questões colocadas nas conclusões formuladas pelos Recorrentes, ao alegarem (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC) -, seguir-se-á, na análise subsequente, a seguinte sistematização:
Depois de se ensaiar um enquadramento temático das matérias relativas aos cartões electrónicos de movimentação de fundos, com particular realce para os cartões de débito, aos contratos de adesão e às cláusulas contratuais gerais (cfr. infra, pontos 1.1., 1.2., 2.1. e 2.3.), e de se enunciarem as linhas mestras relativas à qualificação e regime jurídico dos contratos de depósito bancário e de utilização do cartão de débito (infra, pontos 2.2., 2.3.,), apreciar-se-á a legalidade das cláusulas 7ª, 17ª e 18ª (infra, pontos 3.1. a 3.6. e 4.1. a 4.3.).
1 - Uma das manifestações mais salientes da revolução tecnológica nos últimos dez/quinze anos refere-se, justamente, à utilização das tecnologias informáticas e das telecomunicações (teleinformática) em matéria de transferências electrónicas de fundos.
Expressões como "dinheiro de plástico", "moeda electrónica", "telemática", "caixas automáticas", "porta-moedas electrónico" são exemplos de termos que passaram a fazer parte do léxico corrente dos dias de hoje ( ) Com mais desenvolvimento, cfr. Maria Raquel Guimarães, "As Transferências Electrónicas de Fundos e os Cartões de Débito", Almeida, 1999, pp. 11 e 12.).
Integrada num contexto mais vasto de "desmaterialização" dos meios de pagamento, tem-se assistido a uma progressão imparável da utilização de cartões de débito, com o correspondente aumento das transferências de fundos realizadas através de meios electrónicos ( ) Ibidem.).
A generalização dos diferentes tipos de cartões bancários, num quadro também caracterizado pelos fluxos transfronteiras de dados através de redes, e pela internacionalização crescente das trocas de informações, veio colocar problemas novos no âmbito do Direito da Informática e das Telecomunicações. Bastará pensar nos complexos problemas de direito probatório - v.g., de repartição do ónus da prova -, bem como no impacto em matéria de distribuição do risco ( ) Para o desenvolvimento da matéria relativa às questões jurídicas, mormente em sede de regime de prova, emergentes da utilização dos novos meios de pagamento, cfr. Jerôme Huet e Herbert Maisl, "Droit de l´Informatique et des Télécommunications"; Litec, Libraire de la Cour de Cassation, 1988.), sem esquecer a problemática relativa à observância de outras cláusulas contratuais gerais constantes de contratos-tipo de adesão, respeitantes, por exemplo, à livre denúncia do contrato ou à sua resolução sem motivo justificativo.
A referida internacionalização explica, aliás, a intervenção activa de diferentes organizações internacionais, designadamente, das Comunidades Europeias, na definição de princípios e regras de uniformização da disciplina jurídica das novas formas de pagamento electrónico.
É o caso da Recomendação da Comissão de 8 de Dezembro de 1987 (87/598/CEE), relativa a um Código europeu de boa conduta em matéria de pagamento electrónico (Relações entre instituições financeiras, comerciantes-prestadores de serviços e consumidores), ou da Recomendação da Comissão de 17 de Novembro de 1988 (88/590/CEE), relativa aos sistemas de pagamento e, em especial, às relações entre o titular e o emissor dos cartões ( ) Cfr. os respectivos textos na obra "Direito da Informática - Legislação e Deontologia", Edição COSMOS, Direito, Lisboa, 1994, pp. 475 e ss. e 481 e ss., respectivamente.).
De referir ainda a Recomendação da Comissão de 30 de Julho de 1997 (97/489/CE), relativa às transacções realizadas através de um instrumento de pagamento electrónico e, nomeadamente, às relações entre o emitente e o detentor.
1.1. - O pagamento electrónico através das caixas automáticas (CD) e dos terminais de pagamento automático (ATM) ( ) ATM: Automated Teller Machines; CD: Cash Dispenser. Ou, na sequência do aportuguesamento de tais expressões, CA (caixas automáticas) e TPA (terminais de pagamento automático).) constitui uma das muitas formas de transferência electrónica de fundos (EFT) ( ) EFT: Electronic Funds Transfer.) ( ) Cfr. Amável Raposo, "Alguns aspectos jurídicos dos pagamentos através das caixas automáticas: Responsabilidade civil e Prova", B.M.J., nº 377, pp. 5 e ss., estudo que, por momentos, vamos acompanhar.).
Caracterizam esta forma de pagamento: (a) a natureza das operações - qualquer operação de pagamento, designadamente, os levantamentos, os depósitos e as transferências conta a conta; (b) o processamento automático: as operações são realizadas a partir de um terminal de pagamento electrónico de acordo com programa pré-estabelecido; (c) o meio de acesso ao sistema: um cartão plástico de pista magnética ou incluindo um microprocessador onde se encontra codificado o número de identificação pessoal do titular (PIN) ( ) PIN: Personal Identification Number.).
Ou, nas palavras de outro Autor ( ) Cfr. Luís Miguel Monteiro, "A Operação de Levantamento Automático de Numerário", R.O.A., Ano 52, 1992, p. 124.), o acesso ao programa computorizado e, consequentemente, à sua função de transferência de fundos, faz-se através do concurso de dois elementos: (a) um cartão de plástico; (b) um número de identificação pessoal do titular (PIN). Introduzido o cartão e digitado o PIN, a máquina procede à transferência da quantia e, ao mesmo tempo, à emissão de documento contendo o registo da operação.
Duas razões fundamentais explicam o impacto destes novos meios de pagamento. Por um lado, o pagamento electrónico através das ATM é a face mais visível e espectacular das transformações que o computador introduziu na banca. Por outro, o sistema desenvolveu uma nova e original relação entre o cliente utilizador e a banca, a qual dispensa a intervenção directa do empregado bancário.
Da sua propagação resultam benefícios recíprocos. Os bancos libertam-se de meios humanos, simplificam processos e operações, disponibilizam-se ao cliente em jornada contínua e reforçam o encaminhamento das poupanças para o sistema bancário.
Os consumidores desfrutam de um acesso mais continuado, mais rápido e mais fácil, com a disponibilidade acrescida de fundos e a possibilidade de realização de outras operações, bem como a obtenção de uma gama mais vasta de serviços - v.g., depósito de numerário e valores, transferências bancárias, consulta de movimentos, pagamento de serviços, requisição de livros de cheques -, de forma incomparavelmente mais cómoda.
Os cartões de débito apresentam-se como cartões de pagamento imediato ( ) Ou quase imediato, consoante o modo como operam - pelo processo tradicional de preenchimento de facturas em triplicado que apresenta semelhanças com o do cartão de crédito, embora o débito se faça de imediato e não diferido (é o caso do "Mastercard") ou através de terminais electrónicos que conferem acesso directo e imediato às contas cos titulares (como sucede com o cartão "Multibanco")), que operam uma mobilização das disponibilidades monetárias do titular através do acesso directo à sua conta bancária ( ) Cfr. Joana Vasconcelos, "Cartões de crédito", in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXXIV (Janeiro-Dezembro de 1993), nºs 1-2-3, pp. 305 e ss., maxime, p. 343 e ss., que agora estamos a acompanhar.).
Com efeito, o cartão de débito encontra-se associado a uma conta bancária ( ) Ou a várias, determinando então o contrato entre o titular e o Banco emissor do cartão qual a ordem pela qual se deverão processar os débitos em conta.) pertença do titular, permitindo movimentar directamente o seu saldo activo, quer pelo levantamento de numerário, quer pelo pagamento directo das aquisições de bens ou serviços efectuados nos pontos de venda, sem que seja necessário recorrer a qualquer outro meio.
Como já se referiu - cfr. nota (8) - certos cartões de débito, como é o caso dos Mastercard, operam segundo esquema próximo do cartão de crédito ( ) O cartão de crédito constitui um instrumento de pagamento e de concessão de crédito a curto prazo que tem vindo a gozar de ampla difusão na sociedade contemporânea, dirigindo-se a segmentos cada vez mais vastos da população - loc. cit., p. 307.), na medida em que envolvem o preenchimento de facturas em triplicado, as quais são seguidamente enviadas pelo comerciante para cobrança.
No entanto, o paralelismo com o cartão de crédito acaba aqui, uma vez que, no pagamento ao comerciante, não se verifica qualquer intermediação de terceiro: aquele é satisfeito através das quantias directamente debitadas na conta do titular.
Diversamente, outra categoria de cartões de débito - mais próximos da economia da questão sub judice -, de que constitui exemplo paradigmático o cartão Multibanco, "funciona através de meios electrónicos, conferindo acesso directo e imediato à conta bancária do titular, mediante a sua inserção em terminais electrónicos, que procedem à leitura da respectiva banda magnética e pela marcação do número de identificação pessoal (PIN) correspondente".
Este mecanismo proporciona um acréscimo de segurança da transacção em que intervenha como meio de pagamento, "já que os termos da ligação efectuada relativamente à conta do titular permitem certificar a existência de provisão em conta, revelando-se o cartão, na sua ausência, inoperante" ( ) Loc. cit. na nota (11), p. 346.).
1.2. - Tendo como ponto de partida o respectivo clausulado, vejamos a que resultados conduz a classificação dos três tipos de cartões, indistintamente tratados nos autos como cartões de débito.
Conforme decorre da proposta de adesão de fls. 7-8, o cartão "Caixautomática", permitindo a movimentação da conta de depósitos à ordem através da respectiva utilização nas "caixas automáticas", em "terminais de pagamento automático" e noutras máquinas automáticas - vide a cláusula 1ª -, não se prevendo qualquer utilização de uma função creditícia, é tipicamente um "cartão de débito".
Também o cartão "Caixautomática Electron", ao qual se aplicam as condições gerais de utilização do cartão "Caixautomática" e as que lhe são próprias, referidas a fls. 7, vs. e 8, vs., podendo ser ainda utilizado nos "terminais de pagamento automático" da rede Electron e nas "caixas automáticas" da rede internacional Visa/Plus, sem que se faça qualquer referência à possibilidade de utilização de um crédito, será um "cartão de débito".
Quanto ao cartão "Eurocheque/B", a fls. 9 e 10, resulta da respectiva proposta de adesão, e mais concretamente da cláusula 6ª, que "a B garante o titular contra a falta, total ou parcial, de provisão dos Eurocheques por ele sacados sobre a conta de depósito à ordem indicada na proposta de adesão (...)". O que significa que este cartão é à partida, e fundamentalmente, um "cartão de garantia de cheques" ( ) O cartão de garantia de cheque (ou simplesmente, "cartão-garantia") não constitui, em si mesmo, um meio autónomo de pagamento, antes funciona em estreita associação com um outro meio de pagamento - o cheque - cuja utilização cauciona - cfr. Joana Vasconcelos, loc. cit. p. 346-347.).
No entanto, como resulta dos termos da cláusula 26ª, este cartão também pode ser utilizado nas "caixas automáticas" e nos "terminais de pagamento automático", prevendo-se para este tipo de utilização a aplicação das "condições gerais de utilização" do cartão "Caixautomática". Nesta medida, tratando-se de um cartão multifuncional, é também um "cartão de débito" ( ) Para o adequado desenvolvimento da temática relativa à classificação dos diferentes tipos de cartões, cfr. Maria Raquel Guimarães, loc. cit., pp. 58 e ss.).
2 - Como explica Menezes Cordeiro, num prisma de Direito bancário, os cartões dependem dum contrato específico, destinado á sua emissão. O regime aplicável aos cartões bancários consta, entre nós, como na generalidade dos países, de cláusulas contratuais gerais ( ) Cfr. Menezes Cordeiro, "Manual de Direito Bancário, Almedina, 1998, p. 521.).
2.1. - Com efeito, em Portugal, como na generalidade dos países, não existe legislação específica na matéria, tendo a outorga de tais meios de pagamento por base uma contrato de cláusulas prefixadas pelos bancos a que os clientes se limitam a aderir - é o contrato de adesão ( ) Amável Raposo, loc. cit., pp. 15 e ss.).
É à luz deste contrato que as posições do banco e do cliente deverão ser prioritariamente aferidas, no quadro das normas que disciplinam a actividade bancária, bem como as matérias da responsabilidade civil e da prova e ainda as cláusulas contratuais gerais limitadoras da autonomia das partes - Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.
2.2. - Constitui questão muito debatida na doutrina a de saber se esse contrato específico, que podemos, por facilidade, denominar "contrato de utilização" constitui um tipo contratual autónomo ou se é apenas parte integrante do depósito bancário que, como se viu, está necessariamente subjacente à emissão do cartão de débito.
Segundo Maria Raquel Guimarães, cujo discurso, nesta matéria, nos merece acolhimento, o contrato de utilização é um contrato acessório, instrumental, em relação ao contrato de depósito bancário ( ) Loc. cit., p. 107.). Como observa um outro Autor - Luís Miguel Monteiro -, esta acessoriedade revela-se não só pela função do próprio contrato, mas também pelo seu destino, dependente das vicissitudes daqueles tipos contratuais. Assim, v.g., o cancelamento do depósito à ordem importará a caducidade do contrato de utilização ( ) Loc. cit., p. 148.).
Segundo uma outra Autora - Gete Alonso y Calera -, citada por Raquel Guimarães, entre o contrato de utilização e o contrato de depósito bancário existe mesmo uma relação de "interdependência jurídica", um "sinalagma funcional e bilateral" que, ao mesmo tempo, separa e individualiza as duas relações contratuais.
Assim, e apesar da "vinculação funcional" existente entre estes dois contratos, é possível distinguir dois tipos contratuais distintos, embora coligados. Isto na medida em que, como refere Raquel Guimarães, a influência recíproca dos dois contratos se manifesta sobretudo na sua fase executiva, ao nível dos objectivos que se pretende alcançar, "mantendo os dois contratos em causa, apesar do interesse económico que lhes é comum, a sua individualidade própria" ( ) Loc. cit., pp. 108-109.), salientando-se que essa recíproca influência condiciona os dois contratos, uma vez que não só o cancelamento do contrato de depósito acarreta a extinção do contrato de utilização, mas também a utilização abusiva do cartão pode levar à resolução do contrato de depósito.
Resulta do exposto que é possível, aquando da emissão de um cartão de débito, identificar uma verdadeira proposta contratual e a respectiva aceitação, com conteúdos distintos daqueles que originam um depósito bancário, embora proferidas pelos mesmos sujeitos que são partes de um contrato deste tipo - acrescendo que, muitas vezes, tais declarações negociais são também efectuadas no mesmo momento em que o contrato de depósito bancário é concluído.
2.3. - Quer isto dizer que, não obstante o contrato de depósito bancário que lhes subjaz, as operações de levantamento de numerário em máquina de caixa automática e de pagamento automático, são juridicamente fundadas sobre o contrato de utilização - verdadeiro contrato autónomo, querido pelas partes, , em consequência do qual uma instituição bancária emite um "cartão de plástico" em nome de um seu cliente com o objectivo de lhe permitir a realização de um conjunto de operações automatizadas. Todavia, as declarações de vontade conducentes à conclusão do contrato reduzem-se, em regra, à mera assinatura, pelo depositante, de um formulário de onde constam, previamente redigidas e impressas, diferentes cláusulas ( ) Não é esta a sede para cuidar de um outro contrato cuja celebração é também pressuposta pela operação de pagamento. Referimo-nos ao contrato entre a instituição bancária e um estabelecimento comercial, pelo qual este se obriga a aceitar os cartões emitidos pelo banco enquanto meio de pagamento.).
Estamos perante um verdadeiro contrato pré-elaborado, cujo clausulado é unilateralmente imposto pela parte contratualmente mais forte, reduzindo-se a liberdade contratual da contraparte à decisão de aderir ou não ao contrato. Situamo-nos, assim, no domínio da contratação massificada, dos contratos de adesão, onde o princípio da liberdade contratual é seriamente afectado e onde o desequilíbrio entre os contraentes põe frequentemente em causa os direitos e as garantias da parte mais fraca.
Impõe-se, pois, um controlo a posteriori das condições gerais inseridas em tais contratos, ou então, independentemente da inclusão em concreto de uma cláusula num determinado contrato, o seu controlo preventivo através de uma acção inibitória, em qualquer caso tendo por base o Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, que visou transpor para o direito interno a Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993 ) Publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias nº L 95/29, de 21.04.93..
Na verdade, a regulamentação das cláusulas contratuais gerais, também designadas condições negociais gerais, condições gerais dos contratos, insertas em contratos de ou por adesão, contratos de série e contratos standardizados, elaborados de antemão, limitando-se os destinatários indeterminados a subscrevê-los ou aceitá-los, visa a actuação dos imperativos constitucionais de combate aos abusos de poder económico e da defesa do consumidor e a preservação da autonomia privada ( ) Cfr. o Acórdão do STJ de 06.05.93, Processo nº 83348.).
Daí que sejam nulas as cláusulas contratuais gerais insertas em contrato-tipo de adesão que violem normas imperativas de ordem pública, designadamente, as que invertam ou alterem a distribuição do risco e as regras de repartição do ónus da prova, ou que tenham como efeito a exclusão da responsabilidade de um dos contraentes se se verificarem determinados requisitos ( ) Cfr. o Acórdão do STJ de 20.06.95, Processo nº 86945.).
3 - Traçado que foi o enquadramento global da matéria, torna-se agora mais fácil e seguro proceder ao exame acerca da conformidade legal das cláusulas controvertidas.
3.1. Cláusula 7ª das "condições gerais do cartão "Caixa Automática/Multibanco" (aplicável ao "Visa Electron" e ao "Eurocheque"
Recorde-se o seu teor, agora na integralidade da cláusula, sublinhando-se a primeira parte, por ser a que agora interessa:
Provando o titular o extravio, furto, roubo, ou falsificação do cartão, correm por sua conta os prejuízos sofridos em virtude da utilização abusiva do cartão, no período anterior à comunicação a que se refere o nº 6.2. destas condições, até ao montante correspondente ao contravalor em escudos de 150 ECU por ocorrência, salvo se tiver violado qualquer uma das obrigações emergentes do nº 5.1., ou se, por qualquer outro modo, tiver contribuído, com dolo ou culpa grave, para o extravio, furto, roubo ou falsificação do cartão ou para a utilização fraudulenta do mesmo, casos em que a responsabilidade será integralmente do titular.
Considerando a remissão feita para o nº 6.2., igualmente se justifica proceder à transcrição de tal cláusula.
Aí se prescreve o seguinte:
A comunicação das ocorrências mencionadas na alínea a) do nº 6 ( ) Ou seja, o extravio, furto, roubo ou falsificação da cartão.) verificadas quer em Portugal, quer no estrangeiro, deverá ser de imediato dirigida à SIBS; Sociedade Interbancária de Serviços, S.A. (telefone ... que funcionará 24 horas por dia), ao Serviço TELECAIXA (telefone ...) ou ainda a qualquer uma das Agências da B, durante as horas de expediente.
A comunicação deverá ser sempre confirmada, por escrito, nas 48 horas seguintes em qualquer agência da B.
3.2. - Alegou o A. que, ao responsabilizar o titular do cartão, independentemente de culpa deste, por prejuízos sofridos pela instituição emitente ou por comerciantes com os quais esta tenha acordos, e provocados por actividade fraudulenta de terceiros, a referida cláusula está a alterar as regras respeitantes à distribuição do risco, sendo, por isso, absolutamente proibida, atento o disposto pelo artigo 21º, alínea f), do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 220/95.
Norma que estabelece o seguinte: São em absoluto proibidas, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: (f) Alterem as regras respeitantes à distribuição do risco.
Pelo contrário, a Ré sustentou que a referida cláusula, se opera alteração do risco, isso acontece em sentido contrário ao alegado pelo A., já que a R., por via dela, aceita suportar o risco no que exceder o contravalor de 150 ECU por ocorrência, no período anterior à comunicação, no caso de utilização abusiva por terceiros, em caso de extravio, furto, roubo ou falsificação do cartão. Quando, se assim não fora, ou seja, inexistindo tal cláusula, o titular do cartão deveria suportar por inteiro o referido risco, visto que nenhuma intervenção pode ter o emitente do cartão no sentido de evitar a utilização abusiva do mesmo, enquanto o titular não fizer a comunicação a que se refere a cláusula 6.2.
Contrariamente ao decidido pela 1ª instância, entendeu o acórdão recorrido que "a cláusula 7ª, ao responsabilizar sempre o titular do cartão pelos prejuízos sofridos em virtude da sua utilização abusiva por terceiros, em caso de extravio, furto, roubo ou falsificação, sem culpa sua, embora apenas até determinado limite e no período anterior à comunicação daqueles factos, está a alterar as regras de distribuição do risco, sendo portanto nula, nos termos dos artigos 12º e 21º, f) do DL 446/85, de 25/10, na redacção dada pelo DL 220/95, de 31.08".
O entendimento defendido pelo acórdão recorrido - que, diga-se desde já, não nos é possível acompanhar - arrancou da consideração da natureza do contrato de depósito bancário, forma de depósito irregular, entendido como um contrato sui generis, com elementos do mútuo e do depósito - fls. 108 e 109.
Segundo o acórdão recorrido, por via deste tipo de depósitos, "o banco, ao receber as quantias depositadas, torna-se dono delas, podendo dar-lhes o destino que entender, no seu giro comercial".
Resultando do artigo 1206º do Código Civil - diploma a que pertencerão as normas que se indiquem sem menção da origem - que se consideram aplicáveis ao depósito irregular, na medida do possível, as normas relativas ao mútuo, considera o acórdão impugnado que lhe é, designadamente, aplicável o disposto no artigo 1144º, segundo o qual "as coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega".
Assim sendo, e sempre segundo o Tribunal a quo, o Banco recebe o dinheiro depositado, tornado-se seu proprietário e ficando o depositante como simples credor pelas quantias entregues.
Ora, a transferência do domínio tem, entre outros efeitos, o da transferência do risco para o adquirente, em harmonia com a regra "res perit domino".
Ou seja, efectuados os depósitos, a B passa ser proprietária do respectivo dinheiro e, enquanto não for levantado, suporta o risco inerente ao seu domínio sobre o mesmo, conforma dispõe o nº 1 do artigo 796º ( ) Neste sentido, veja-se o Acórdão deste STJ de 20.06.95, já citado, onde, com base nos mesmos argumentos, se decidiu no mesmo sentido, embora em face de uma cláusula muito mais gravosa, numa acção em que era Ré a B, como, aliás, se refere no acórdão recorrido.).
Em breves palavras, a tese do Acórdão recorrido é a seguinte: Considerando que o depósito bancário é um depósito irregular, conclui, com base no disposto nos artigos 1205º, 1206º e 1144º, que a transferência do domínio do dinheiro depositado tem, entre outros efeitos, o da transferência do risco para o adquirente (artigo 796º, nº 1). Donde a conclusão de que a cláusula 7ª (1ª parte) determina uma alteração das regras legais de distribuição do risco, no período anterior à comunicação aludida, embora apenas até determinado limite, sendo, por isso, nula.
Esta, em resumo, a construção da tese sustentada no acórdão recorrido, em conformidade com a posição do A.
3.3. - É manifesto o vício lógico-jurídico que, com o devido respeito, afecta a referida construção.
É que todo o edifício arquitectado pelo Tribunal a quo assenta na qualificação do contrato de depósito bancário como depósito irregular, com o regime e as características já expostas.
Ora, por um lado a qualificação e definição do regime jurídico do contrato de depósito bancário representa, já de si, matéria muito controvertida. Assim, Simões Patrício, reflectindo a propósito da alegada transferência de propriedade e, portanto, do risco, como efeito do contrato de depósito bancário, escreve o seguinte: "Se se trata de efeito importante para teoricamente estabelecer o confronto do depósito bancário com o depósito regular, não lhe atribuímos facilmente uma importância prática, e muito menos decisiva, para determinar o seu regime jurídico. Não terá sentido útil aludir ao risco de perda de algo que deixou de ter individualidade própria (coisa específica) para se (con)fundir na massa patrimonial do accipiens, fazendo nascer uma obrigação de restituir tão-só in genere, impossibilitando de raiz a própria questão do risco; pois, como é bem sabido, genus nunquam perit" ( ) Cfr. "A Operação Bancária de Depósito", Porto, 1994.).
Quem não aceitar a qualificação do depósito bancário como depósito irregular - e, como se disse, a questão da sua natureza jurídica é matéria muito (e de há muito) discutida - ( ) Assim, Simões Patrício considera o depósito bancário como um contrato autónomo, atípico, distinto do depósito irregular, e que mais do que uma questão de transferência de domínio de uma coisa e do inerente risco estará evidenciado um direito de crédito do depositante sobre o banco à restituição no mesmo género e quantidade, eplo que se estará mais perto de um contrato de mandato.) não poderá servir-se do argumento proporcionado pelo regime legal vazado nos normativos citados do Código Civil, tendo de recorrer aos critérios gerais da boa fé para, como determina o artigo 15º do DL nº 446/85, avaliar da conformidade legal da cláusula 7ª.
Acresce ainda, em segundo lugar, que a construção defendida pelo acórdão recorrido ignora em absoluto a realidade jurídica decorrente da conclusão do contrato de utilização (do cartão), autónomo em relação ao contrato de depósito bancário - embora com ele funcionalmente articulado -, nos termos oportunamente expostos, para os quais agora se remete - cfr. supra, ponto 2.2..
Ora, no contrato de utilização do cartão, o seu titular tem a disponibilidade directa e imediata sobre o saldo da sua conta, podendo utilizar o cartão e proceder a levantamentos sem qualquer intervenção do depositário.
Resulta do exposto que não é juridicamente adequado fundar a resposta a respeito da validade ou da nulidade da cláusula em apreço no brocardo res suo domino perit ou no disposto pelo artigo 796º, nº 1.
É certo que o titular do cartão pode não ter tido qualquer culpa no roubo, furto, extravio ou falsificação da cartão. Só que daí não é lícito pretender extrair a conclusão, como faz o acórdão recorrido, segundo a qual, "por isso também não parece razoável ser sempre ele a suportar o risco, sejam quais forem as situações de facto que ocorram antes daquela comunicação" - fls. 112.
É que o problema não consiste em o titular do cartão poder não ter tido qualquer culpa no extravio, furto, roubo ou falsificação do mesmo. Residirá antes na negligência que, em regra, resulta de ter omitido fazer a comunicação da ocorrência com a prontidão imposta pela cláusula 6.2. das condições gerais de utilização. Comunicação que decorre do dever acessório de colaboração, por sua vez decorrente do princípio da boa fé, nos termos do artigo 762º, nº 2.
E isto porque, como também se reconhece no acórdão impugnado, "é certo que a entidade emitente só pode impedir a movimentação da conta por intermédio do cartão extraviado, furtado, roubado ou falsificado após a comunicação que lhe deve ser feita pelo titular" - fls. 112.
Ou seja: não se pode atentar apenas, como faz o acórdão recorrido, no depósito bancário, de mais a mais perspectivado em termos que estão longe de ser pacíficos, esquecendo o contrato acessório de utilização do cartão.
A consideração do contrato de utilização como um contrato autónomo, embora coligado com o depósito bancário, apoia o afastamento da invocação, em primeira linha, das regras do depósito irregular a propósito de uma utilização indevida do cartão, amparando, em contrapartida o reconhecimento de que o regime da cláusula 7ª é conforme aos princípios da boa fé.
3.4. - Verificando-se uma ocorrência de entre as previstas na cláusula 6.2., a repartição de responsabilidades entre o titular do cartão e o banco emissor ocorre em casos de utilização fraudulenta do cartão por um terceiro, ou seja, quando não há culpa nem da parte do titular do cartão nem por parte do banco.
Ponderando a este respeito, escreveu Maria Raquel Guimarães:
A responsabilidade pela utilização fraudulenta de um cartão por um terceiro deverá ser repartida entre o titular do cartão e o banco emissor com base numa ideia de distribuição equitativa dos prejuízos causados. Esta distribuição da responsabilidade assenta num critério temporal, tomando-se como decisivo o momento em que o titular do cartão cumpre o dever imposto contratualmente e, de qualquer forma, decorrente do princípio geral da boa fé no cumprimento dos contratos, de comunicar ao banco a sua perda ou furto. Com a comunicação referida, quebra-se o nexo de causalidade que une os danos sofridos à actuação eventualmente negligente do titular do cartão: a responsabilidade pelo uso indevido do cartão transfere-se para a instituição bancária, que, de resto, não sofrerá prejuízos se, diligentemente, tomar todas as medidas de segurança adequadas. Fazer depender a distribuição da responsabilidade entre as partes de um contrato de utilização do cumprimento, por cada uma delas, dos seus deveres contratuais, nomeadamente do dever de comunicação do extravio do cartão que impende sobre o seu titular e do dever que recai sobre o banco emissor de cancelar o cartão logo após uma comunicação nesse sentido, parece ser, de facto, a solução mais justa, mais equitativa. A própria segurança do sistema sai favorecida com uma distribuição da responsabilidade deste tipo, na medida em que a diligência dos contraentes é incentivada, para além de se conseguir, desta forma, uma simplificação dos problemas levantados pelas operações automáticas em matéria de responsabilidade" ( ) Op. cit., p. 216. Como a Autora salienta a repartição equitativa da responsabilidade nos termos expostos tem merecido o apoio da melhor doutrina, tendo também vindo a ser seguida pelos tribunais de todo o mundo, tendo consagração no Electronic Fund Transfers Act americano de 1978, na lei dinamarquesa de 1984 e no Consumer Credit Act britânico e na proposta de lei italiana sobre a emissão e utilização de cartões de débito e de crédito, de 14 de Junho de 1989. Todos estes diplomas (e proposta de lei) consagram um limite para a responsabilidade do titular do cartão - cfr. loc. cit., p. 219.).
3.5. - Acresce que o conteúdo da referida cláusula 7ª, no respeito pelo disposto pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 166/95, de 15 de Julho, teve em conta as recomendações emanadas da Comissão Europeia, já citadas, bem como de avisos e instruções do Banco de Portugal, entidade com atribuições de supervisão e regulamentação do sistema bancário) Trata-se do Aviso nº 4/95, de 27.07.95, do Ministro das Finanças (DR, II Série, de 28.07.95, suplemento) e da Instrução nº 47/96, do Banco de Portugal. Trata-se, porém, de textos sem força vinculativa genérica, insusceptíveis de contrariar normas legais imperativas, como são as constantes do DL nº 446/85, alterado pelo DL nº 220/95, e, mais recentemente, embora sem implicações na economia do caso sub judice, pelo DL nº 249/99, de 07.07..
Assim:
A) Recomendação 88/590/CEE
No nº 8.3. prescreve-se o seguinte: "O titular suportará os prejuízos que ocorram até ao momento da notificação, em consequência da perda, furto ou reprodução do mecanismo de pagamento, mas apenas até ao equivalente de 150 ECU para cada uma das ocorrências; todavia, este limite não será aplicável se o titular agiu com extrema negligência ou fraudulentamente".
B) Recomendação 97/489/CE
O artigo 6º, nº 1, prescreve o seguinte: "Até à comunicação, o detentor suportará as perdas incorridas em consequência do extravio ou do furto do instrumento de pagamento electrónico até um limite que não pode exceder 150 ecus, salvo se tiver agido com extrema negligência, em contravenção às disposições relevantes previstas nas alíneas a), b) e c) do artigo 5º ou de forma fraudulenta, caso em que o referido limite não é aplicável".
É certo que as recomendações não têm valor vinculativo, não cabendo, quanto a elas, falar, como pretende a Ré, em primado do direito comunitário.
Também é verdade que a técnica legislativa utilizada pelo nº 1 do artigo 3º do DL nº 166/95, ao prescrever que as entidades emitentes de cartões bancários, ao elaborar as respectivas condições gerais de utilização, deverão "ter em conta" as recomendações emanadas da União Europeia, não é de molde a conceder à normação contida naquelas recomendações a vinculatividade de que, a se, não dispõem.
No entanto, verdade é também que tais textos exprimem o ponto de vista da Comissão sobre determinadas questões, apontando medidas ou soluções reclamadas pelo interesse comunitário e sugerindo os comportamentos a adoptar ( ) Cfr. a título de exemplo, Mota de Campos, "Direito Comunitário", II vol., 2ª edição, Lisboa, 1988, pp. 133-134.).
Assim, se, antes mesmo de os Estados-membros terem adaptado a sua legislação nacional em termos que satisfaçam as recomendações comunitárias, as instituições bancárias envolvidas resolverem dar-lhes acatamento, incluindo nas condições contratuais das suas convenções standard cláusulas que traduzem as soluções apontadas naquelas recomendações, não pode deixar de se aplaudir essa medida, uma vez que não é crível que a Comissão adopte uma postura de protecção ao contraente mais forte e de tutela da má fé ou do abuso do direito.
Ademais, outras instituições bancárias de outros Estados-membros terão, por certo, sponte sua, ou em cumprimento de legislação nacional de recepção, decidido também dar cumprimento às referidas recomendações, pelo que importa ponderar que qualquer decisão nesta matéria poderá ter reflexos a nível da concorrência dentro do espaço comunitário.
Enfim, embora inexistindo imposição vinculativa para tal, o normal será que os Estados venham a traduzir no seu direito interno as regras recomendadas, ou que a União Europeia, na falta desta iniciativa dos Estados-membros, venha a produzir actos com força vinculativa neste domínio, porventura, com o mesmo conteúdo.
3.6. - Atendendo ao exposto, a distribuição de responsabilidades operada pela cláusula 7ª afigura-se equitativa, justificada pelo tipo de situação que tem na sua base e conforme aos os ditames da boa fé.
Concluindo, pois, este ponto, decide-se no sentido da validade da cláusula 7ª.
Procede, pois, nessa parte, a revista da Ré.
4 - Passemos agora às cláusulas 17ª e 18ª, cuja apreciação deve ser feita à luz da mesma norma do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 220/95: o artigo 22º, nº1, alínea b).
4.1. - Cláusulas 17ª e 18ª das "condições gerais do cartão "Caixa Automática/Multibanco" (aplicável ao "Visa Electron" e ao "Eurocheque")
Recordemos o teor da cláusula 17ª:
A inobservância por qualquer das partes das obrigações assumidas nos termos destas condições gerais e da lei constitui justo motivo de resolução imediata.
A cláusula 18ª, por sua vez, prescreve o seguinte:
Sem prejuízo do estipulado no nº 17, qualquer das partes pode livremente denunciar o contrato, desde que o comunique, por escrito, à parte contrária com uma antecedência mínima de 3 dias.
Vejamos a norma invocada pelo A para sustentar que se trata de cláusulas proibidas. Prescreve a alínea b) do artigo 22º, do DL nº 446/85, na redacção actualmente em vigor, sob a epígrafe "Cláusulas relativamente proibidas":
São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: (b) Permitam, a quem as predisponha, denunciar livremente o contrato, sem pré-aviso adequado, ou resolvê-lo sem motivo justificativo, fundado na lei ou convenção.
Em causa estão, relativamente a cada uma das cláusulas, os seguintes segmentos da norma:
a) Em relação à cláusula 17ª: a possibilidade concedida à parte predisponente de resolver o contrato sem motivo justificativo, fundado na convenção ou na lei;
b) Com referência à cláusula 18ª: a possibilidade concedida à parte predisponente de denunciar livremente o contrato, sem pré-aviso adequado.
Desde já se afirma a nossa concordância com o acórdão recorrido na apreciação que fez relativamente às duas cláusulas ora em apreço. De onde resulta que temos como válida a cláusula 17ª e como nula a clausula 18ª, na parte assim ajuizada pela Relação.
Vejamos brevemente porquê, começando pela cláusula 17ª.
4.2. - Nos termos do artigo 432º, nº 1, "é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção".
Segundo Antunes Varela, a resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato ( ) Cfr. "Das Obrigações em Geral", Almedina, Coimbra, 5ª edição, II volume, p. 273. ). As mais das vezes, ensina o Mestre, a resolução assenta num poder vinculado, obrigando-se o autor a alegar e provar o fundamento, previsto na convenção das partes ou na lei (...) que justifica a destruição unilateral do contrato. Mas nada impede que a resolução seja confiada ao poder discricionário do contraente.
A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração á outra parte (artigo 436º, nº 1), tornando-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (artigo 224º, nº 1).
Extrai-se da cláusula ora em análise que o direito de resolução é concedido em situação de igualdade a ambas as partes e, por outro, que tem de se fundar em violação da lei ou do contrato, ou seja, da inobservância (...) das obrigações assumidas nos termos destas condições gerais e da lei.
Compreende-se também que, como consequência da preocupação do legislador com a defesa da parte contratualmente mais débil, a norma da alínea b) do nº 1 do artigo 22º do DL nº 446/85, ponha a tónica na possibilidade concedida à parte predisponente de resolver o contrato sem motivo justificativo, fundado na convenção ou na lei.
Parece, porém, não ser esse o caso da presente cláusula, como resulta, desde logo, do seu teor literal. Na verdade, o que constitui fundamento de resolução imediata é a inobservância (ou seja, o desrespeito ou incumprimento) das obrigações assumidas nos termos convencionados constantes das condições gerais e da lei.
Assiste, por isso, neste ponto a razão ao acórdão recorrido, quando faz a crítica da solução constante da decisão da 1ª instância, nos seguintes termos:
É a própria cláusula bem expressiva no sentido de que apenas a inobservância, por qualquer das partes, das obrigações constantes das condições gerais de utilização do cartão e da lei constituem justo motivo de resolução imediata, o que está, de resto, em consonância com o preceituado no citado artigo 432º. E se lermos as cláusulas que impõem obrigações aos utentes, parece-nos que a violação culposa de todas elas pode justificar a resolução.
Tenha-se em consideração que o interessado pode opor-se à resolução.
Por outro lado, deverá ter-se presente que se trata de uma cláusula "relativamente proibida", "consoante o quadro negocial padronizado".
E, como também se salienta no acórdão recorrido, deverá entender-se que nem todas as violações dos contratos justificam a sua resolução. O princípio da boa fé não permitiria que a B declarasse resolvido o contrato por violação insignificante de uma das cláusulas. No entanto, isso acontece com qualquer contrato em que se acorde a possibilidade de resolução e não só em relação aos contratos de adesão.
O que não se pode é afirmar que, no caso da presente cláusula, se está perante uma cláusula resolutiva que acaba por se reconduzir a uma resolução imotivada.
A cláusula 17ª não permite, por si só, que a Ré resolva o contrato sem motivo justificado. Pelo contrário, a B tem que ter motivos justificativos, resultantes da inobservância das obrigações assumidas pelo titular do cartão e constantes das condições gerais de utilização e da lei, para o fazer.
Para que a resolução seja válida, necessário se torne que a Ré invoque uma violação da lei ou do contrato que a justifique.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso do A, devendo entender-se que a cláusula 17ª não viola o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 220/95.
4.3. - Relativamente à cláusula 18ª está em causa, recorde-se a possibilidade concedida à Ré (parte predisponente) de denunciar livremente o contrato, sem pré-aviso adequado.
A denúncia é a declaração feita por um dos contraentes, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso (cfr. artº 1055º), de que não quer a renovação ou a continuação do contrato renovável ou fixado por tempo indeterminado ( ) Cfr. Antunes Varela, op. cit., p. 279.).
Em causa está apenas o prazo de três dias que as instâncias consideraram - e com toda a razão - muito curto.
Como muito bem entendeu o acórdão recorrido, não há que fazer aqui apelo à igualdade das partes, uma vez que, como é manifesto, a situação entre elas é de flagrante desigualdade. Ora, como se sabe, a igualdade perante a lei reclama, não que todos sejam tratados, em quaisquer circunstâncias, por forma idêntica, mas sim que recebam tratamento semelhante os que se acham em condições semelhantes.
Na verdade, à Ré é praticamente indiferente que o titular do cartão denuncie o contrato com uma antecedência maior ou menor. Já assim não acontece para o titular do cartão, o qual pode ficar muito afectado na sua vida se se vir, sem motivo justificado, privado do cartão, com apenas três dias de aviso prévio.
Por outro lado, não colhe o argumento invocado pela Ré, segundo o qual será de recear a eventualidade de uma utilização indevida do cartão durante o período do pré-aviso, o que justificaria a sua curta duração. Com efeito, tal utilização indevida, a ter lugar, sempre possibilitaria a imediata resolução do contrato.
Assim, o argumento não procede quando, como é o caso, estão em confronto, por um lado, os referidos interesses de minimização dos riscos de prejuízo por parte da instituição bancária e, por outro, o interesse do titular do cartão em dispor de um instrumento indispensável na sua vida diária e que, naquele prazo de três dias, ele não poderá substituir.
Por ser manifestamente contrariado pelos ensinamentos colhidos da experiência da vida, não procede o conteúdo das conclusões 12ª e 13ª da Ré, segundo as quais o prazo de 3 dias de aviso prévio para a denúncia dos contratos de utilização dos cartões por parte da recorrente, previsto na cláusula 18ª, é adequado, face à existência de diversos meios de levantamento dos fundos depositados, para além do cartão e face à concorrência bancária, sobretudo tendo em conta a facilidade existente na concessão de cartões de débito, logo, na abertura das contas de depósito.
É um facto notório que três dias são um prazo manifestamente insuficiente para adquirir um novo cartão de débito, o que exigirá, como se disse, a abertura de nova conta de depósito à ordem noutro banco e a necessidade de recolha de informações a respeito do candidato à obtenção do cartão.
Não cabendo a este Supremo Tribunal avançar a indicação de um prazo julgado adequado, o que se tem como indiscutível, assim corroborando o julgamento, neste ponto, das instâncias é que o prazo de três dias é claramente insuficiente.
Ou seja: a cláusula 18ª viola o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 220/95, mas apenas no segmento em que permite que a denúncia do contrato possa ser feita com uma antecedência mínima de três dias.
Improcede, pois, nesta parte o recurso da Ré.
IV
Termos em que se decide o seguinte:
a) Julgar procedente a revista da Ré em relação à cláusula 7ª e, em consequência, revogar, nessa parte, o acórdão recorrido, absolvendo-se, quanto a ela, a Ré do pedido;
b) Julgar improcedente a revista do A. em relação à cláusula 17ª, mantendo-se, quanto a ela, a decisão recorrida;
c) Julgar improcedente o recurso da Ré em relação à cláusula 18ª, mantendo, quanto a ela, a declaração de nulidade decretada no acórdão recorrido, por violação do disposto no artigo 22º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto.
A nulidade desta cláusula 18ª opera apenas na parte em que confere à Ré a possibilidade de denunciar livremente o contrato desde que o comunique, por escrito, à parte contrária, "com uma antecedência mínima de três dias";
d) Condenar a Ré a abster-se de utilizar a cláusula 18ª, com o alcance referido, em todos os contratos que, de futuro, venha a celebrar;
e) Condenar a Ré a dar publicidade a dar publicidade a tal proibição, no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado da sentença, através da publicação em dois jornais diários de maior tiragem publicados em Lisboa e Porto, durante três dias consecutivos, deste acórdão, o que deverá ser comprovado nos autos no prazo de dez dias a contar da última publicação.
Sem custas, atento o disposto no artigo 29º, nº 1, do DL 446/85, na redacção dada pelo DL 220/95.
Notifique e registe, dando-se oportuno cumprimento ao disposto no artigo 34º do DL 446/85, na redacção dada pelo DL 220/95.
Lisboa, 23 de Novembro de 1999.
Garcia Marques,
Ferreira Ramos,
Pinto Monteiro.