Tribunal da Relação do Porto
11.11.2004
Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO:
No ..º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, veio “B............... Limitada”, intentar acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma sumária contra “C................, S.A,”.
Pede:
A condenação da ré no pagamento de Esc. 1.400.000$00 (um milhão e quatrocentos mil escudos), acrescido de juros de mora a contar da citação até efectivo e integral pagamento, relativo ao valor devido nos termos de contrato de seguro de responsabilidade civil ilimitada, bem como perda total de veículo seguro, provenientes do choque, colisão, capotamento, incêndio, raio, explosão, furto, roubo, decorrentes da circulação do veículo automóvel “Ford Fiesta” de matrícula “..-..- GT”, titulado pela apólice nº90/134045.
A “C..............., S.A.”, contestando, veio alegar que não é responsável pelo pagamento da quantia peticionada uma vez que de acordo com o art. 37º alínea c) das condições gerais da apólice se excluem da referida cobertura e assim da garantia do seguro, os sinistros em que o veículo seja conduzido por pessoa que, para tanto, não esteja habilitado, e à data do acidente em que foi interveniente o veículo seguro na Ré o mesmo era conduzido por D............. que não possuía licença que o habilitasse a conduzi-lo, invocando deste modo facto impeditivo do direito da Autora.
Defende-se ainda a Ré por impugnação concluindo pela improcedência da acção.
Em resposta à contestação, a Autora reafirma o vertido na petição inicial sustentando que a referida cláusula não lhe foi comunicada, que tratando-se de uma cláusula contratual geral a mesma cede perante as cláusulas particulares acordadas, e que aquela limita ou de qualquer forma altera as obrigações assumidas pela Ré perante a Autora aquando da contratação, o que torna a cláusula nula, por absolutamente proibida-nos termos do art. 21º do D.L. 446/85, e que ainda que assim se não entenda deve ser dada à cláusula de exclusão em apreciação uma interpretação restritiva no sentido de que aquela exclusão só terá lugar se o segurado tiver conhecimento ou anuir a que o veículo seja conduzido por pessoa não habilitada.
Conclui pela improcedência da excepção e pela declaração de nulidade da cláusula de exclusão constante das condições gerais do Contrato de seguro titulado pela apólice nº 90/134045.
Conclusos que foram os autos, foi proferido o despacho de fls. 46 e segs., no qual se decidiu declarar excluída do contrato de seguro celebrado entre a autora e a ré, a cláusula 37ª, al. c), da condições gerais da apólice e, consequentemente, foi julgada improcedente a excepção peremptória invocada pela ré, prosseguindo os autos os termos normais com elaboração da matéria assente e base instrutória.
Inconformada com o assim decidido, veio a ré interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações que terminam com a seguintes
“CONCLUSÕES:
A. O douto despacho saneador fez errada aplicação da lei, nomeadamente dos arts. 5º e 6º do DL 446/85 e violou o disposto no artº 3º, nº4, do Código de Processo Civil.
B. A Recorrente não aceita que, para o Tribunal poder aferir da eventual procedência da excepção peremptória invocada na contestação pela Recorrente, recaia sobre si o ónus de alegação da comunicação adequada e efectiva das cláusulas contratuais gerais que, no âmbito do contrato de seguro celebrado, titulado pela apólice 90/134045, submeteu à Recorrida.
C. Para a procedência da excepção invocada, e porque se está no âmbito do direito dos contratos, à Ré, ora recorrente, apenas cabia a obrigação de, na sua contestação, alegar (e, posteriormente, se necessário, e só se necessário, provar):
- que celebrou com a Autora, ora recorrida, no âmbito da autonomia privada das partes, um contrato de seguro;
- que o referido contrato de seguro se rege por determinadas cláusulas contratuais constantes do contrato de seguro junto pela ora recorrente com a contestação; e
- a interpretação que faz sobre os direitos e deveres que, com a celebração do referido contrato de seguro (e com as suas cláusulas integrantes), surgiram para os contraentes.
D. É que este dever de alegação é independente do tipo de cláusulas que fazem parte integrante de determinado contrato, quer tais cláusulas advenham de negociações preliminares íntegras, ao fim das quais as partes, tendo ponderado os respectivos interesses, assumem determinadas estipulações; quer sejam previamente elaboradas por uma das partes que se limita a submetê-las à outra.
E. A recorrente ao alegar que celebrou com a recorrida um contrato de seguro, no qual se estipulou a exclusão constante do art. 37º alínea c) das cláusulas gerais da apólice, e ao socorrer-se dessa cláusula específica de exclusão para a sua defesa na contestação, fá-lo, evidentemente, com o pressuposto de que o contrato é perfeito e de que a relação contratual, tal como é por si configurada, não vai ser posta em crise, uma vez que até à contestação da Recorrente, não havia sido ainda, efectivamente, colocada em crise.
F. Exigir que a Ré, na sua contestação, invoque, para além da existência de um contrato como fonte de direito, também os concretos termos em que o referido contrato foi celebrado (nomeadamente exigindo a alegação de determinados deveres de comunicação), é o mesmo que exigir, no âmbito de uma outra qualquer relação contratual, a alegação de que determinado contrato foi celebrado sem divergência entre a vontade real e a declarada, ou que foi celebrado sem erro, sem dolo, sem falta de consciência de declaração, sem coacção, sem incapacidade acidental, etc..., antes mesmo de, sequer, ser tal relação contratual posta em crise.
G. Salvo melhor opinião, o artigo 5º e 6º do DL 446/85 em apreço não prevê esse ónus de alegação, prevê antes que, caso a validade do contrato, ou de alguma das suas cláusulas seja posta em crise, cabe ao contraente que submeteu a outrém determinadas cláusulas contratuais, a prova de que os deveres de comunicação foram cumpridos.
H. Ou seja, a lei exige expressamente a prova da comunicação e não a sua alegação.
I .Só assim se entende a inversão do ónus da prova previsto no art. 5º, nº3 do referido diploma.
ACRESCE:
J. Que a Recorrida, ao invocar o desconhecimento, por falta de comunicação, da referida cláusula contratual geral, está, face à contestação da Recorrente, a defender-se, também ela, por excepção.
K. É que, uma vez provada a falta de comunicação - alegação da recorrida - ou melhor, uma vez não provada a comunicação da cláusula contratual geral em crise - o ónus da prova é da recorrente - tal facto impede o efeito jurídico dos factos articulados por esta.
L. De facto, refere o art. 3º, nº4 do Código de Processo Civil, que o Tribunal recorrido não aplicou, que à excepção deduzida no último articulado admissível, pode a parte contrária responder na audiência preliminar (que não foi designada) ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.
M. Violou, por isso, o Tribunal recorrido, o disposto no art. 3º, nº 4 do Cód. Proc. Civil.
N. É que, ainda que formalmente, o Mmo. Juiz “a quo,” tenha julgado improcedente a excepção invocada pela Ré, materialmente, e na realidade, o tribunal recorrido julgou, antes, procedente a excepção invocada pela A. na sua resposta.
NESTES TERMOS, DEVE O DOUTO DESPACHO SANEADOR ORA RECORRIDO SER REVOGADO PELOS FUNDAMENTOS SUPRA DESCRITOS, ASSIM SE FAZENDO
JUSTIÇA.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
Prosseguindo os autos, foi proferida sentença final, julgando a acção parcialmente procedente.
A fls. 153 veio a ré declarar que mantinha o interesse na subida do recurso interposto, supra referido.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
II.1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
--O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
-- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
-- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão a resolver reduz-se a saber se incumbia, ou não, à ré seguradora a alegação da comunicação ao segurado da cláusula contratual geral que exclui da garantia do contrato de seguro entre ambas celebrado os sinistros em que o veículo segurado seja conduzido por pessoa sem habilitação legal.
II.2. OS FACTOS:
No tribunal recorrido deu-se como assente, para efeitos de apreciação da decisão recorrida, a seguinte factualidade, “atento o teor dos documentos juntos pela Autora, que são aceites pela Ré e face ao acordo das partes nessa matéria”:
a) Autora e Ré celebraram em 31/01/98 um contrato de seguro automóvel titulado pela apólice nº90/134045;
b) Nos termos da aludida apólice e no âmbito das condições particulares acordadas a Ré garantiu a responsabilidade civil ilimitada bem como a perda total do veículo seguro, provenientes do choque, colisão, capotamento, incêndio, raio, explosão, furto e roubo, decorrentes da circulação do veículo de matrícula ..-..-GT, marca FORD, modelo FIESTA, até ao montante do capital seguro, fixado em Esc. 1.400.000$00, depois de deduzida a franquia de 28.000$00.
c) No dia 15 de Julho de 1998, às 13 horas e 30 minutos, na Rua Nossa Senhora do Amparo, em Alfena, Valongo, ocorreu um acidente de viação, em que foi interveniente o referido “Ford Fiesta”.
d) Tal veículo estava a ser conduzido por D.................., que não possuía, à data do acidente, carta de condução ou outro tipo de documento que, para tanto, o habilitasse.
De relevo para a apreciação da questão que nos é posta há que referir que dispõe a clª 37ª, nº1, al. c), das condições gerais da apólice do aludido contrato de seguro - contrato esse constante da apólice com as condições particulares juntas a fls. 28 e condições gerais constantes de fls. 29 a 36 -, o seguinte:
“1. Salvo convenção expressa em contrário, ficam excluídos:
[..................................]
c) Sinistros em que o veículo seja conduzido por pessoa que, para tanto, não esteja legalmente habilitada;”.
III. OS FACTOS E O DIREITO:
Vejamos, então, das questões suscitadas nas conclusões das alegações do recurso.
A única questão a resolver consiste, como dissemos, em saber se incumbia, ou não, à ré seguradora a alegação da comunicação ao segurado da cláusula contratual geral que exclui da garantia do contrato de seguro entre ambas celebrado os sinistros em que o veículo segurado seja conduzido por pessoa sem habilitação legal.
Salvo o devido respeito, cremos que a decisão recorrida está correcta, bem fundamentada, pelo que parece estarmos perante situação em que se justificava a simples remissão para os termos da decisão impugnada (ut artº 713º, nº5, CPC).
Permitimo-nos, porém, dizer o seguinte:
Como vimos, peticionou o autor a condenação da ré no pagamento dos danos sofridos por virtude do acidente ocorrido com o veículo automóvel matrícula ..-..-GT, já que o autor havia celebrado com a ré um contrato de seguro pelo qual havia transferido para esta a responsabilidade civil emergente de acidente automóvel.
Tal contrato de seguro é o que consta da apólice com as condições particulares juntas a fls. 28 e as condições gerais constantes de fls. 29 a 36 - de entre elas a prevista na al. c) do seu artº 37º, nº1, al. c), que estipula que
“1. Salvo convenção expressa em contrário, ficam excluídos:
[..................................]
c) Sinistros em que o veículo seja conduzido por pessoa que, para tanto, não esteja legalmente habilitada;”--o que aconteceu no caso presente, pois o condutor do GT não possuía carta de condução ou outro documento que, para tanto, o habilitasse a conduzir a viatura automóvel.
A ré, na contestação, com vista a evitar o pagamento ao autor, veio (por excepção) alegar que tal responsabilidade não existia, com sustento, precisamente, na citada al. c) do nº1 do artº 37º das condições gerais da apólice.
Em resposta a tal excepção, a Autora sustenta, além do mais, que a referida cláusula não lhe foi comunicada, como o impõe a lei (DL nº 446/85, de 25.10), sendo que era sobre a ré que incumbia o ónus de alegação e de prova da comunicação adequada e efectiva do conteúdo da referida cláusula de exclusão da responsabilidade da ré, pelo que não pode a ré valer-se dela para se esquivar ao pagamento ao autor.
Qui juris?
Não vamos aqui discorrer sobre a natureza do contrato em questão (de adesão), pois a decisão recorrida é suficientemente completa a tal respeito.
Dúvidas parece não haver de que a cláusula em apreciação (37ª) é uma cláusula contratual geral-- celebrada no âmbito de um contrato de seguro (Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2ª ed., Revista e Actualizada, Almedina, Coimbra, 2000, a pág. 212).
Estamos, de facto, em face de um tipo de contratos em que uma das partes - in casu o segurado - apenas limita a aceitar o texto que a outra parte contratual lhe “oferece”.
Por outro lado, igualmente dúvidas não há de que, sendo a cláusula sub judice de natureza contratual e não normativa, a sua interpretação tem necessariamente que ser feita ao abrigo das regras ou princípios gerais dos contratos, em especial - e no caso específico em apreciação - o Dec.-Lei nº 446/85, de 25.10 (que rege sobre as clásulas contratuais gerais), com as alterações decorrentes do Dec.-Lei nº 220/95, de 31.08 e Dec.-Lei nº 249/99, de 07.07.
A questão em apreciação respeita fundamentalmente, como vimos, à “comunicação” das cláusulas contratuais gerais - in casu, em especial, a 37ª das condições gerais da apólice - aos aderentes - no caso, ao autor/apelado--, imposta pelo artº 5º do citado Dec.-Lei nº 446/85.
Com é bom de ver, o exercício efectivo, eficaz, da autonomia privada impõe que a vontade de contratar por banda dos aderentes aos contratos se encontre bem formada, desde logo com completo conhecimento de todo o clausulado.
É imperioso que os contraentes conheçam com rigor as cláusulas a que se vão vincular.
Por isso, devem as mesmas, ainda antes da subscrição ou outorga do contrato, ser dadas a conhecer aos aderentes.
É, no fundo, uma elementar imposição do princípio da boa fé contratual, a impor a comunicação, na íntegra, dos projectos negociais (artº 227º, CC).
Não se deve esquecer, com efeito, que a boa fé está presente tanto na preparação como na formação do contrato (artº 227º do C. Civil), como, também, no cumprimento das obrigações e no exercício do direito correspondente (artº 762º, do mesmo Código).
É um princípio que constitui uma trave mestra, certa e segura da nossa ordem jurídica, vivificando-a por forma a dar solução a toda a gama de problemas de cooperação social que ela visa resolver no campo obrigacional--princípio, é certo, que deve ser observado com as restrições apontadas por Salvatore Romano, em “Enciclopédia del Diritto”, Milão, 1959, - “Buona Fede”, págs. 667 e segs. Ver, ainda, a Boa Fé nos Contratos, de Armando Torres Paulo, pág. 124 e “A Boa Fé no Direito Comercial”, in “temas de Direito Comercial”, conferência no Conselho Distrital do Porto da ordem dos Advogados, págs. 177 e segs. e Baptista Machado, in Obras Dispersas, vol. I.
Temos, então, aqui em questão a análise dum dever pré-contratual de comunicação, que o citado artº 5º descreve desta forma:
“1. As clausulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a sua extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.
Trata-se de um dever que incumbe, portanto, a quem pretenda prevalecer-se das cláusulas. Daqui que, segundo o citado nº 3, a respectiva prova pertença a tal pessoa ou pessoas.
No fundo, o aludido preceito mais não é do que a extrapolação para o domínio das cláusulas contratuais gerais da regra geral já contida no artº 342º, do CC.
Ora, segundo este artigo do CC, “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita” (nº3).
Voltando ao caso presente, temos que o autor invocou um direito: de indemnização com base no contrato de seguro que havia celebrado com a seguradora/ré.
Por sua vez, a ré - com vista a impedir o autor de lograr fazer valer o seu alegado direito-- veio invocar a al. c) do nº 1 do artº 37º das condições gerais da apólice, assim tentando a exclusão da aplicação do contrato de seguro na presente situação.
Ora, tratando-se, como parece tratar-se, de uma situação ou factualidade impeditiva do alegado direito do autor, e resultando expressamente da lei que a ré/seguradora tem de provar, não apenas a invocação da cláusula propriamente dita, impeditiva desse direito, mas também a sua comunicação à parte aderente, cremos ser óbvio que à mesma ré compete, também, a alegação da aludida factualidade a provar por si-- da existência da cláusula impeditiva do direito e da aludida comunicação à outra parte.
Se assim não fosse, não teria o legislador o cuidado de introduzir no dito diploma, de forma expressa, a obrigação de tal comunicação “ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.
Ora, se a ré tem o ónus da prova, obviamente que também tem o da alegação.
Efectivamente, cada uma das partes, que quer ver vingar as suas pretensões, tem de cuidar de que os factos, de que resulta a exactidão das suas afirmações jurídicas segundo as disposições do direito material, sejam levadas ao tribunal, mediante a afirmações correspondentes (A. Anselmo de Castro, Dir. Processual Civil Declaratório, ed. 1981, 1º, 70).
O mesmo é dizer que a ré, se pretendia fazer valer a dita cláusula contratual geral (37ª-1-c)), sabendo que a mesma só vingaria caso fizesse a respectiva comunicação do autor, deveria ter alegado, logo na respectiva invocação, que fez essa mesma comunicação.
“Cada uma das partes suporta, portanto, um ónus da alegação e um ónus da prova” (Anselmo de Castro, ob. e loc. cits.).
“Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções” (artº 264º, nº1, CPC),- sublinhado nosso.
Sobre a relação entre a actividade das partes e a do juiz, ver artº 664, CPC.
Como escrevem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., a págs. 448, “à parte interessada é que incumbe, não só a iniciativa de afirmar os factos essenciais ao direito ou à excepção que invoca (ónus da afirmação), mas também o encargo de desenvolver toda a actividade instrutória capaz de provar a verificação desses factos, sob pena de [...............] o direito ou a excepção alegada não proceder”.
Assim sendo - repete-se--, integrando a excepção invocada pela ré, não só a invocação da existência das cláusulas, mas também da sua comunicação (ut cit. artº 5º), é à ré que incumbe a alegação da factualidade que integra a excepção nesta sua globalidade.
Tendo sido a ré a alegar a existência da supra referida 37ª cláusula contratual geral, é manifesto para nós que igualmente lhe competia a alegação de que tal cláusula (bem como as demais) foi devidamente comunicada ao autor/aderente, pois só com essa alegação logrará fazer a prova da mesma comunicação, como lhe é imposto pelo citado artº 5º do Dec.-Lei nº 446/85.
Ou seja, à ré incumbia o ónus de alegação e de prova da comunicação adequada e efectiva do conteúdo da citada cláusula de exclusão da sua responsabilidade.
Tal alegação não foi feita pela ré, o que tanto bastava para que a excepção por si invocada na contestação não pudesse vingar.
Efectivamente - como se afirma, aliás, na decisão recorrida--, ao excepcionar na contestação o facto impeditivo do direito da autora - a aludida condição geral da apólice (verdadeira cláusula contratual geral) excluidora da garantia do contrato de seguro celebrado, dos sinistros em que o veículo seja conduzido por pessoa sem habilitação legal--, tinha outros sim o dever de alegar a factualidade atinente à comunicação, a sua adequação e momento da sua efectivação. Trata-se de facto essencial, por integrante da causa petendi ou fundamento da excepção, cuja falta necessariamente inviabiliza a procedência desta mesma excepção (cfr. sobre factos essenciais, factos instrumentais, probatórios ou acessórios e factos complementares, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, Lisboa, 1997, a pág. 70).
O mesmo é dizer que, sendo a aludida comunicação fundamento da excepção invocada, tal alegação sempre se impunha se fizesse na contestação - onde a excepção foi deduzida--, até porque bem sabe a apelante que, tratando-se de processo sumário, apenas era possível o articulado da resposta à contestação (ut artº 785º CPC).
E não basta, sequer, uma (pretensa) alegação implícita - que in casu nem sequer existiu-- da aludida comunicação. Antes se impõe uma alegação clara e sem equívocos, desde logo atentos os valores ou interesses visados pelo Dec.-Lei nº 446/85, de 25.10.
Obviamente que não vinga a “tese” da apelante de que ao alegar a celebração do contrato de seguro com a autora, no qual se incluem as cláusulas gerais da apólice, “ fá-lo, evidentemente, com o pressuposto de que o contrato é perfeito e de que a relação contratual, tal como é por si configurada, não vai ser posta em crise, ...”.
É que a “relação contratual” --o “contrato”-- para ser perfeita pressupõe precisamente a prévia “comunicação” imposta pelo citado artº 5º-- tal como o “dever de informação” prescrito no artº 6º do mesmo Dec.-lei nº 446/85--, com a consequente alegação nos sobreditos termos.
Não se pode deixar de ter sempre presente que a boa fé impõe, durante a fase pré-contratual, não só a comunicação das cláusulas a inserir no negócio, mas também que sejam prestados os esclarecimentos necessários a um exercício idóneo da autonomia privada.
Estamos num domínio em que não valem as simples suposições, designadamente da validade do contrato. Tudo tem de ser claro, esclarecido, como é imposto pelo exercício efectivo e, portanto, eficaz da autonomia privada, a reclamar uma vontade bem formada e correctamente formulada dos aderentes, maxime um conhecimento exacto do clausulado.
Não vemos, também, como pretende a apelante, que faça sentido equiparar a situação em apreciação com qualquer outra relação contratual em que se possa afirmar que, ao alegar-se a celebração de qualquer contrato, então se impunha também a alegação de que o mesmo fora celebrado sem divergências entre a vontade real e a declarada, ou que foi celebrado sem erros, sem coacção, etc., etc...
É que não se pode olvidar que estamos no domínio (específico) dos apelidados contratos de adesão, precisamente em vista dos quais surgiu o aludido diploma respeitante às cláusulas contratuais gerais, fenómeno específico para o mundo da elaboração, com graus de minúcia variáveis, de modelos negociais a que pessoas indeterminadas se limitam a aderir, sem possibilidade de discussão ou de introdução de modificações, onde, portanto, a liberdade contratual se cinge, de facto, “ao dilema da aceitação ou rejeição desses esquemas predispostos unilateralmente por entidades sem autoridade pública, mas que desempenham na vida dos particulares um papel do maior relevo” (ut preâmbulo do Dec.-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro).
Por isso - para estas específicas situações - fez o legislador aparecer, entre outras, as imposições decorrentes dos artºs 5º e 6º deste diploma legal.
Não se diga, por outro lado, que sempre poderia a ré na instrução e discussão da causa complementar a falta ou deficiência de alegação. É que, como bem anota a decisão recorrida - citando Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do processo Civil, vol. I, 2ª ed. revista e ampliada, 1998, a pág. 65 - “tanto a complementaridade como a concretização que delimitam os poderes de ampliação da matéria de facto implicam necessariamente a prévia alegação de factos pelo autor na petição inicial, como fundamento da pretensão, do mesmo modo que, na perspectiva do réu, se impõe a prévia alegação de factos em que se materializa a defesa por excepção”.
Impunha-se, assim, decidir pela declaração de exclusão do contrato de seguro celebrado entre autora e ré da cláusula 37ª, nº1, al. c) das condições gerais da apólice, com a consequente improcedência da excepção peremptória invocada pela ré/apelante.
Não alvejamos, portanto, que a decisão recorrida tenha violado qualquer disposição legal - designadamente os artºs 5º e 6º do Dec.-Lei nº 446/85 e artº 3º do CPC--, como tal claudicando as conclusões das alegações da apelante.
CONCLUINDO:
A “comunicação” das cláusulas contratuais gerais imposta pelo artº 5º do Dec.-Lei nº 446/85, de 25.10 é, no fundo, uma elementar imposição do princípio da boa fé contratual, a impor a comunicação, na íntegra, dos projectos negociais (artº 227º, CC).
Incumbe à seguradora, ao contestar, e pare efeitos do disposto no citado artº 5º, não só o ónus da prova do dever pré-contratual de comunicação ao segurado da cláusula contratual geral que exclui da garantia do contrato de seguro entre ambas celebrado os sinistros em que o veículo segurado seja conduzido por pessoa sem habilitação legal, como também o ónus da alegação da factualidade atinente a tal comunicação, sua adequação e momento da sua efectivação.
É que, tratando-se de facto essencial, por integrante da causa petendi ou fundamento da excepção, a sua falta necessariamente inviabiliza a procedência desta.
IV. DECISÃO:
Termos em que acordam os Juizes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Porto, 11 de Novembro de 2004
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Raínho Ataíde das Neves