Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
AA, LDA instaurou, em 15 de Junho de 2001, nas Varas Cíveis de Lisboa, contra BB, LDA acção ordinária, que recebeu o nº80/2001, da 15ª Vara, 1ª secção, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 7 210 705$00, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos até à presente data que, calculados à taxa legal de 12%, totalizam a quantia de 1 258 811$00, e dos juros vincendos e a pagar-lhe uma indemnização cujo montante deve ser fixado pelo Tribunal, pelos danos voluntariamente e dolosamente causados à autora pela sua conduta.
Contestou a ré ( fls.89 ) acabando por pedir que a excepção de incumprimento e de cumprimento defeituoso que invoca seja julgada procedente, declarando-se que a ré pode licitamente recusar a sua prestação e, deduzindo reconvenção, pediu que se julgasse a autora responsável perante a ré pelo reembolso das quantias que esta já lhe entregou relativas à estadia e passagens não utilizadas e que a autora retém ilicitamente, por aplicação aos autos do art.29º do Dec.lei nº209/97, de 13 de Agosto, no valor de5 076 433$00;
ou, subsidiariamente, por a quantia relativa às estadias lhe ter sido devolvida e a respeitante às passagens apenas pela sua falta de diligência não o ter sido, no montante de 855 895$00.
E pede ainda, na procedência da reconvenção, a condenação da autora a pagar-lhe os valores antes referidos na exacta medida em que excedam o valor por ela devido, acrescidos dos juros de mora vincendos desde a citação e até integral pagamento;
e a condenação da autora, em qualquer caso, a pagar-lhe uma indemnização, destinada a ressarci-la dos danos provocados pelo seu incumprimento e cumprimento defeituoso do contrato, no montante que for apurado em execução de sentença, mas que desde já se estima em 3 636 977$00, quantia a que acrescerão os juros de mora vincendos, desde a citação até integral pagamento.
Replicou a autora ( fls.121 ) concluindo pela improcedência das excepções invocadas e pela improcedência do pedido reconvencional.
Treplicou a ré ( fls.165 ).
A fls.202 foi elaborado despacho saneador, com alinhamento dos factos assentes e fixação da base instrutória.
Efectuado o julgamento, com respostas nos termos do despacho de fls.238, foi proferida a sentença de fls.242 a 252 que julgou em parte procedentes acção e reconvenção, condenando a ré a pagar à autora 7 210 705$00 ( 35 966,84 euros )com juros às taxas legais sucessivamente em vigor, desde o 30º dia posterior à emissão da factura respectiva, até pagamento. Será previamente descontada naquela verba a importância que se liquidar como sendo a devida pela nota de crédito referida ( supra II – 26 a 28 ).
Inconformada a ré interpôs recurso de apelação e, subordinadamente, apelou também a autora.
Em acórdão de fls.306 a 318, o Tribunal da Relação de Lisboa anulou o julgamento e, em consequência, a sentença recorrida, devendo proceder-se à repetição do mesmo, no que tange aos factos constantes dos nºs2 a 8, 11 a 13, 18 a 23, 36, 37 e 42 da base instrutória, acrescentando-se a esta os factos alegados nos arts.50 a 56 da réplica, devendo o tribunal, aquando da repetição, ter em atenção a última parte do normativo inserto no nº4 do art.712º do CPCivil.
Cumprindo esta decisão, foram aditados à base instrutória os quesitos 43º a 49º ( despacho de fls.323 ).
Efectuado o novo julgamento, com respostas nos termos do despacho de fls.355, foi proferida a sentença de fls.359 a 373 que julgou parcialmente procedentes a acção e a reconvenção e consequentemente determinou
a condenação da ré BB, Lda a pagar à autora AA, Lda a importância de 26 983,09 euros ( correspondente à diferença entre o valor da factura e o valor da nota de crédito ), acrescida de juros às taxas legais sucessivamente em vigor, desde 28 de Janeiro de 2000 até efectivo e integral pagamento;
a absolvição da autora e da ré relativamente ao demais peticionado.
De novo inconformada, interpôs a ré/reconvinte recurso de apelação.
Por acórdão de fls.428 a 442 o Tribunal da Relação de Lisboa declarou improcedente a apelação, confirmando... na totalidade a sentença do tribunal a quo.
Ainda inconformada, pede agora a ré/apelante revista para este Supremo Tribunal.
Alegando a fls.449, apresenta assim as suas CONCLUSÕES:
1. Como decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o Tribunal da 1ª Instância, procedeu à repetição do julgamento relativamente aos factos constantes nº2 a 8, 11 a 13, 18 a 23, 36, 37 e 42 da base instrutória, acrescentou os factos alegados nos artigos 50º a 56º.
2. No entanto, o Tribunal da 1ª Instância, sem que houvesse ampliado o julgamento, decidiu reapreciar toda a matéria factual, tendo alterado a resposta nos seguintes pontos da matéria de facto:
i) O quesito 4) anteriormente dado como provado passou a ser considerado como não provado.
ii) O quesito 5) anteriormente dado como provado passou a ser considerado como não provado.
iii) O quesito 17) anteriormente dado como provado passou a ser considerado como não provado.
iv) O quesito 18) anteriormente dado como provado passou a ser considerado como não provado.
v) O quesito 22) anteriormente dado como provado passou a ser considerado como não provado.
vi) Os quesitos 24), 25) e 26) passaram a ter a seguinte redacção única «Os representantes da ré, quando chegaram ao hotel, diligenciaram junto da gerência do mesmo, no sentido de resolverem a situação relativamente aos quartos reservados e que não iriam ser ocupados, tendo-lhes sido dito que iriam atribuir um crédito a favor da autora a fim de ser descontado posteriormente.»
vii) O quesito 27) anteriormente dado como provado passou a ser considerado como não provado.
viii) O quesito 31) anteriormente dado como provado passou a ser considerado como não provado.
ix) O quesito 33) passou a ter a seguinte redacção «A festa não teve o brilho pretendido nem actuou o cantor que estava previsto actuar.»
x) O quesito 36) anteriormente dado como provado passou a ser considerado como não provado.
3. Facto este reconhecido pelo Tribunal da 1ª Instância ao referir, na resposta aos quesitos datada de 6 de Março de 2006, que, «tendo em conta o aditamento ao questionário, o depoimento das testemunhas e os documentos juntos aos autos, toda a matéria factual foi reanalizada, todos os meios de prova foram entrecruzados e confrontados entre si, fazendo-se sobreelevar os seus pontos de coerência e da sua ponderação global retirando-se as inerentes ilações».
4. Ora, salvo melhor opinião, não podia o Tribunal da 1ª Instância proceder à reapreciação da prova nos moldes em que fez, com o que violou o disposto no nº4 do artigo 712º do C.P.C..
5. A Ré, Recorrente, entende que, nem na decisão, nem na resposta aos quesitos, estão expressos os fundamentos, ou melhor, as contradições que o Tribunal da 1ª Instância quis alegadamente evitar com a reapreciação de factos que já tinham sido dados como provados – e que inexistem –, alterando o teor da resposta aos quesitos ou dando-os como não provados, não se encontram devidamente fundamentados como exigido pelos artigos 158º, 653º, nº2 e 659º, nº2 todos do C.P.C..
6. Assim, entende a Ré, Recorrente estar perante um caso de nulidade 668º, nº1, alínea b) e nº3 e 666, nº3 do C.P.C..
7. Por outro lado, em causa não está o princípio da livre apreciação da prova vertido no artigo 655º, nº1 do C.P.C., mas sim se o nº4 do artigo 712º do C.P.C. permite a reapreciação de toda a prova produzida dentro dos limites fixados pela própria norma e pelo Tribunal da Relação de Lisboa. A resposta é claramente negativa.
8. Nem se alegue, como faz o Tribunal a quo, que o Tribunal da 1ª Instância podia assumir o comportamento descrito, ao abrigo do disposto na parte final do nº4 do artº712º do C.P.C., pois que, à 1ª Instância apenas é permitido ampliar o julgamento – o que não fez –, de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, sendo-lhe, portanto, vedada essa apreciação quando não haja ampliação do julgamento, como foi o caso.
9. Em todo o caso, sempre se dirá que não existia, outrossim, qualquer contradição entre a matéria já dada como provada e as respostas aos quesitos, objecto da repetição do julgamento, dadas pelo Tribunal da 1ª Instância, após aquela repetição, pelo que nenhum fundamento se vislumbra para se poder considerar que a decisão da 1ª Instância, nessa parte, não é nula;
10. Aliás, é por inexistirem essas contradições que o Tribunal da 1ª Instância, ao contrário do que lhe incumbia, não as demonstrou, sendo a sentença completamente omissa a esse respeito, o que, igualmente, a torna nula;
11. Nestes termos, a decisão do Tribunal a quo violou o disposto no nº4 do artigo 712º do C.P.C. pois este não se limitou a reapreciar a prova para evitar contradições, mas reapreciou toda a prova o que claramente não é sentido da mencionada norma.
12. Além de que, as alegadas contradições deviam, ao contrário do que decide o Tribunal a quo, estar devidamente identificadas e fundamentadas, o que, como decorre da decisão em causa, não sucede.
13. Assim, o Tribunal a quo deveria ter mantido o teor dos quesitos dados como provados, o que manifestamente conduziria a uma outra decisão de mérito.
14. Em 17 de Novembro de 1999, a Ré, Recorrente, junto da Autora, Recorrida, informou que apenas 18 pessoas iriam tomar parte da viagem, bem como que, em 25 de Novembro de 1999, a Recorrente fixou o grupo de viagem em 14 pessoas [alíneas P) e Q)].
15. As alterações ao número de passageiros ocorreram mais de um mês antes da data em que iria ter lugar a viagem [alínea AE)];
16. Nos contactos que a ré encetou com a TAP, já após a viagem, para tentar resolver a situação, o que foi possível como verificado pela resposta ao quesito 23º;
17. Só após o dia 25 de Novembro de 1999 a Autora, Recorrida, comunicou as desistências das viagens à TAP-Air Portugal [quesito 6)], sendo que, tal dia foi seguramente posterior a 28 de Novembro, pois que, a ter sido antes, a TAP efectuado um crédito, em passagens aéreas;
18. A Ré, Recorrente nunca pediu à Autora, Recorrida, que esta colocasse os 22 lugares em "stand by", pois não pretendia substituir os clientes que não quiseram ou puderam, por diversas razões, participar na viagem, pelo que se a autora o fez foi apenas por sua livre iniciativa [quesito 17)];
19. As passagens aéreas da TAP eram reembolsáveis se a Autora, Recorrida tivesse comunicado atempadamente, isto é com mais de um mês de antecedência, o seu cancelamento à TAP, como lhe incumbia e instruída pela Ré mas, com grave negligência, não cumpriu, ou se tivesse efectuado alguma diligência como a Ré, Recorrente como resulta da resposta ao quesito 23).
20. A Ré, Recorrente apenas é responsável pelo pagamento à Autora, Recorrida de 14 viagens;
21. Tendo ficado acordado entre a Autora, Recorrida e a Ré, Recorrente, o preço unitário de 411.930$00 por pessoa [alínea H)], a Recorrente nunca teria de pagar à Recorrida uma quantia superior a 5.767.020$00;
22. A Ré, Recorrente pagou à Autora, Recorrida a quantia de total de 11.976.270$00 [alínea X)], pelo que a Recorrente, além de não ter de liquidar a factura cujo pagamento é reclamado nos autos, tem ainda direito a haver desta o montante de 6.209.250$00, equivalente a 30.971,61€, quantia que a Recorrida deve ser condenada a pagar à Recorrente;
23. A Autora, Recorrida havia garantido que a festa de fim de ano prevista teria elevada qualidade e que nela actuaria um conhecido cantor brasileiro da actualidade como resulta da resposta ao quesito 33.
24. Porém, nem a festa teve o brilho pretendido, nem actuou o cantor que estava previsto actuar, razão pela qual a Ré, Recorrente não tem pagar o preço facturado pela Autora, Recorrida, para este serviço, no montante de 355.600$00;
25. Quando assim não se entenda, sendo a Autora, Recorrida, um agência de viagens, está, necessariamente, sujeita, no exercício da sua actividade, ao disposto no Decreto-Lei nº307/97, de 13 de Agosto.
26. Nos termos do artº29º do citado diploma, visto ter a Recorrente desistido de 25 viagens, não pode a Autora exigir-lhe mais do que os encargos por ela originados e um montante igual a 15% sobre os valores delas.
27. Tomando como certos os valores indicados pela Autora, ora Recorrida, de 411.930$00 por pessoa, a Ré, Recorrente, não tinha de pagar-lhe senão o valor de 5.355.090$00 (valor das treze viagens realizadas), acrescido de 1.544.737$00 (15% sobre o valor das viagens não realizadas), além dos encargos;
28. Contudo, a Ré, Recorrida, pagou à Autora, Recorrente, o montante total de 11.976.270$00, que, sem contar com os encargos, excedem largamente o valor que lhe seria devido.
29. Assim, tem a Ré, Recorrente o direito a haver da Autora, Recorrida, a quantia de 5.076.443$00, ou seja, 25.321,19 €, correspondente ao resultado que se encontra deduzindo a quantia paga pela Recorrente (de 11.976.270$00), à que esta teria de pagar (de 6.899.827$00);
30. A Ré, Recorrente, como forma de gratificar alguns dos seus clientes mais importantes, demonstrando a satisfação que lhe davam as boas relações que com eles mantinha, e manter a sua boa imagem junto deles, decidiu organizar a viagem em causa nos autos, para lhes oferecer [alínea AD];
31. Os factos referidos atrás referidos prejudicaram seriamente a imagem da Ré, Recorrida, junto de alguns dos seus maiores Clientes;
32. Sendo a Ré, Recorrente uma sociedade que se dedica à realização de acções promocionais e à prestação de serviços de "merchandising" [alínea B)], o falhanço da viagem e, em especial, o momento de auge daquela, que seria a noite de passagem de ano, impressionou negativamente alguns dos maiores clientes da Recorrida, que, face ao sucedido, puseram em causa a capacidade desta para organizar acções promocionais e de merchandising.
33. Prejuízos esses para os quais se fixou o justo montante de 9.975,96 €, e que a Autora, Recorrida deve ser condenada a pagar à Ré, Recorrente;
34. A decisão recorrida, ao condenar a Ré, Recorrente no pagamento da factura dos autos e ao absolver a Autora, Recorrida, violou o disposto nos artigos 428º e 798º, ambos do Cód. Civil, artigo 29º do Decreto-Lei nº209/97, de 13 de Agosto e nº2 do artigo 661º do CPC, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção totalmente procedente.
Não houve contra – alegações.
Estão corridos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
Como resulta da sua simples leitura, as conclusões da alegação da recorrente - aqui - reproduzem na íntegra, nos seus precisos termos, aquelas que apresentou no recurso de apelação e que o Tribunal recorrido assumiu como constituindo o objecto do recurso.
Temos, então, que a primeira questão a apreciar seria a da eventual nulidade resultante do uso, em concreto, que o tribunal de 1ª instância fez e que o acórdão recorrido sancionou, do nº4 do art.712º do CPCivil.
No acórdão de fls.306 a 318 o Tribunal da Relação de Lisboa anulou o julgamento e ordenou a repetição do mesmo no que tange aos factos constantes dos nºs2 a 8, 11 a 13, 18 a 23, 36, 37 e 42 da base instrutória, acrescentando-se a esta os factos alegados nos arts.50 a 56 da réplica, devendo o tribunal, aquando da repetição, ter em atenção a última parte do normativo inserto no nº4 do art.712º do CPCivil.
Esta decisão funda-se, na expressão do texto do acórdão, no facto de « as respostas dadas aos factos respeitantes à cláusula de reembolso, se mostrarem| contraditórias » e, « correlacionada com esta questão, estar a do preço das passagens o qual, na tese da apelante , foi o correspondente à soma das viagens individuais, mas que na tese da autora/apelada corresponderia a uma viagem de grupo ». E conclui-se dizendo: « dúvidas não restam que a decisão da matéria de facto se mostra, por um lado, contraditória e por outro se torna necessária a sua ampliação ».
O acórdão teve o cuidado de alertar, no último período da sua parte decisória, para que o Tribunal, aquando da repetição, tivesse em atenção a última parte do normativo inscrito no nº4 do art.712º do CPCivil.
Ou seja: que tivesse em atenção que a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão.
E assim ao tribunal de 1ª instância se impunha não só que ampliasse a base instrutória nos termos ordenados, o que fez ( e sobre essa matéria não vem levantada qualquer questão), como se lhe impunha que fizesse incidir o novo julgamento sobre os concretos pontos da base instrutória que ao tribunal eram indicados no acórdão ( e assim não se compreende que o recurso de revista ponha em causa os pontos 4, 5, 18, 22, 31 e 36 ),
como se lhe abria ainda, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão, a ampliação do julgamento – se lhe impunha mesmo essa ampliação – a outros pontos da matéria de facto.
É um caminho que é necessário percorrer em ordem a garantir o desiderato final – que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, conhecendo apenas de direito, tenha ao seu dispor ( se acaso houver recurso, naturalmente ) os factos, todos os factos, e os factos sem contradições que inviabilizem a decisão jurídica do pleito – veja-se o art.729º, nº3 do CPCivil.
É um caminho, é um processo, é uma questão de natureza estritamente adjectiva, processual, desenhada no nº4 do art.712º do CPCivil.
E o nº6 do mesmo artigo, introduzido pelo Dec.lei nº375-A/99, de 20 de Setembro, estabelece que das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Portanto, quando o acórdão recorrido aprecia – como apreciou – se o caminho, o processo, seguido pela 1ª instância foi o imposto por lei, esse acórdão decide a questão em última instância.
Coisa diferente seria se a questão fosse de natureza substantiva – veja-se o que dispõe o art.722º, nº2 do CPCivil – ou se acaso o STJ, quando fosse aplicar o direito, sentisse falta de factos ainda possíveis de conseguir ou sentisse a contradição nos factos que as instâncias lhe apresentam.
Aí sempre o STJ tinha competência para intervir, em nome do mesmo princípio e com o mesmo desiderato já enunciado – a correcta aplicação do direito.
Assim se compatibilizam as disposições do nº2 do art.722º e do nº3 do art.729º com o “novo” nº6 do art.712º do CPCivil.
Veja-se o que sobre esta matéria já foi dito nos acórdãos deste STJ nos procs.04B4049, de 3 de Março de 2005, 04B4150, de 17 de Março 2005, 06B159, de 14 de Março de 2006, e 06A324, de 21 de Março de 2006, todos em www.dgsi.pt/jstj.
Os factos são então o que são.
E sobre os factos tais como são aplicou o acórdão recorrido o direito por uma forma que nos merece inteira concordância, quer nos seus fundamentos quer na decisão em si mesma.
E designadamente nos merece inteira concordância a não aplicação in casu da norma do art.29º do Dec.lei nº209/97, de 13 de Agosto, nos termos da qual o cliente pode sempre rescindir o contrato a todo o tempo, devendo a agência reembolsá-lo do montante antecipadamente pago, deduzindo os encargos a que, justificadamente, o início do cumprimento do contrato e a rescisão tenham dado lugar e uma percentagem do preço do serviço não superior a 15%.
É que esta é, na economia do Dec.lei nº209/97, que regula o acesso e o exercício da actividade das agências de viagem e turismo, uma disposição que se dirige apenas e só às chamadas “viagens organizadas” que são aquelas – vejam-se os arts.17º, nº2 e 20º - cuja realização as agências anunciam, viagens turísticas que sejam vendidas ou propostas para venda ...; não aquelas que são preparadas a pedido do cliente para satisfação das solicitações por este definidas, as denominadas “viagens por medida”.
São viagens de natureza completamente diferente às quais corresponde uma regulação diferente – não pode pretender-se aplicar às viagens por medida uma disposição explicitamente criada para as viagens organizadas.
Nestas é a agência a oferecer para compra uma determinada viagem, ficando no risco da sua própria oferta o eventual número de compradores/participantes; naquelas é o comprador a buscar ele próprio, por sua iniciativa, uma viagem que à agência compete satisfazer nos termos procurados, desenvolvendo as suas iniciativas no âmbito do risco do próprio comprador.
D E C I S Ã O
Na improcedência do recurso, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.
Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 30 de Outubro de 2008
Pires da Rosa (Relator)
Custódio Montes
Mota Miranda