Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B………., residente na Rua ………., n.º .., ……, na Póvoa de Varzim, por si e na qualidade de representante legal do seu filho menor, C………., consigo residente, propôs no Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim contra D………., S. A., com sede na ………., n.º …, Porto, e contra COMPANHIA DE SEGUROS E………., S. A., com sede na Rua ………., n.º .., em Lisboa, a presente acção com processo comum na forma ordinária, pedindo a condenação das RR. a pagarem solidariamente aos Autores, as seguintes quantias:
- Danos patrimoniais 3.162,68 Euros;
- Indemnização pela perca do direito á vida: 25.000,00 Euros;
- Dano moral do falecido marido da A.: 2.500,00 Euros;
- Dano moral pela morte do marido da Autora: 15.000,00 Euros,
- Dano moral da Autora: 9.839,00 Euros;
- Dano moral pela morte do pai do A. C……….: 25.000,00 Euros;
- Dano moral do A. C……….: 15.000,00 Euros;
- Dano autónomo: 4.257,54 Euros.
Tudo acrescido de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegam, no essencial, que o falecido marido da Autora, comprou aquela à Ré D………. para si, para sua esposa e para o filho menor do casal, pelo preço de 855.000$00, uma viagem com destino a ……….., Brasil, com partida de Lisboa no dia 27 de Julho de 2001, pelas 12,15 hs, voo ………., linhas aéreas “charter” e regresso a Lisboa previsto para o dia 11 de Agosto/01, pelas 06,45 hs; o preço incluía as viagens aéreas de ida e volta, a estadia em hotéis em pensão completa, e os transportes necessários às deslocações entre os vários hotéis e localidades a visitar previstas no programa, incluindo a viagem e o necessário transporte terrestre entre Maragogi e Porto Galinhas, que ocorreu no dia 06.08.2001. No decurso dessa viagem, o micro-ónibus (mini autocarro), em que circulavam, na estrada PE .., no sentido ………./………., colidiu frontalmente com o camião ………., de matricula KPV-…./PE., tendo desse acidente resultado de forma directa a morte do marido da Autora, o Eng.º F………., de 41 anos de idade, que faleceu no Hospital Municipal ………., no Município de ………., no Brasil, ferimentos nos Autores e perda e de roupas e objectos pessoais. Os AA. sofreram dores, traumas psicológicos e a A. foi submetida a cirurgias e tratamentos anestésicos a que foi submetida, tendo ainda efectuado despesas em material ortopédico, fisioterapia, e medicação. A Ré E………. celebrou com a primeira Ré um contrato de seguro cujo âmbito de cobertura são os danos ocorridos no decurso da viagem.
Citada, veio a Ré D………., S.A contestar, invocando a sua irresponsabilidade pelas quantias reclamadas, sustentando, no essencial que o acidente e subsequente interrupção do programa da viagem resultou da actuação de um terceiro, o condutor do camião, o qual era completamente alheio ao fornecimento das prestações devidas pelo contrato, não figurando por completo no contrato de viagem e/ou no programa. Alega ainda que celebrou um contrato de seguro com a a Ré Companhia de Seguros D………., S.A., destinado a garantir a sua responsabilidade perante clientes emergente da sua actividade pelo que a sua responsabilidade está transferida para a R. D………., S.A.. Impugna ainda, por desconhecimento, a matéria de facto relativa aos danos alegados, concluindo pela sua ilegitimidade ou pela improcedência da acção relativamente à contestante.
Veio ainda requerer o chamamento à demanda da empresa G………., sita na ………., …, ………. – Maceió.
A Ré Companhia de Seguros D………., S. A. contestou igualmente, alegando fundamentalmente que o contrato de seguro celebrado não garante em caso algum a responsabilidade decorrente dos serviços prestados por filiais, sucursais ou representantes do segurado, nem os causados por meios de transporte que não pertençam ao segurado; que a Ré D………. nunca respondeu às suas interpelações e nunca participou o acidente, pelo que a Ré tem o direito de recusar responder por qualquer dano ocorrido nas circunstâncias em que ocorreu o acidente dos autos, nos termos do art. 20 das condições particulares da Apólice; que os danos foram provocados por terceiro alheio ao fornecimento das prestações; que existe uma franquia contratualmente estipulada e por si escolhida de 10 % do valor do sinistro.
Conclui pela sua absolvição de instância, ou caso assim não se entenda, pela improcedência da acção.
A Autora replicou, pugnando pela improcedência das excepções invocadas e concluindo como na p.i..
Julgada procedente a excepção de incompetência em razão do território do Tribunal da comarca da Póvoa de Varzim e remetidos os autos às Varas Cíveis do Porto, foi admitida a Intervenção acessória provocada de “G……….”, que veio apresentar articulado próprio e, por sua vez, requerer a intervenção acessória de “H………., S.A.”, que foi também admitida, tendo a Interveniente intervindo nos autos.
Prosseguiram os autos com a elaboração do despacho saneador, com a selecção da matéria de facto assente e organização da base instrutória.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi a final proferida sentença, julgando a acção parcialmente provada e procedente, decidindo:
a) condenar a Ré D………., S.A a restituir aos AA a quantia de 4.257,54 € ( quatro mil duzentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos ) em virtude de existir uma situação de impossibilidade de cumprimento não imputável à Ré e se considerarem extintas as prestações do contrato, quantia a que juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b) no mais absolver a Ré D………. , S.A dos pedidos
c) absolver a Ré Companhia de Seguros E………., S. A dos pedidos.
Inconformada com o assim decidido, dele interpôs a Ré D………., S.A. recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1º O acidente que vitimou o marido da Autora ocorreu em consequência de uma colisão frontal de uma camião tipo baú, com carroçaria fechada com o mini-bus em que seguiam a Autora e seu filho e demais viajantes,
2º Colisão essa originada pelo facto de o referido camião circular em contramão, conforme documentos (1 e 2) da contestação;
3º Até ao dia 6 de Agosto foi cumprido o programa estabelecido das férias para esse período;
4º Dentro das considerações efectuadas pelo Tribunal a quo dúvidas não subsistem que a conduta do terceiro constitui, de uma forma manifesta, uma causa de exclusão de responsabilidade da Ré Apelante, seja por força da alínea b) do n° 4 do art°. 39 (incumprimento que não resulte de excesso de reservas e seja devido a situações de força maior ou caso fortuito, motivado por circunstâncias anormais e imprevisíveis, alheias aquele que as invoca, cujas consequências não possam ter sido evitadas apesar de todas as diligências feitas), seja por força da alínea c) do n° 4 do art. 39 (o incumprimento que se deva - à actuação imprevisível de um terceiro alheio ao fornecimento das prestações devidas pelo contrato).
5º Assim, e reconhecendo a existência de um dano e lamentando, do ponto de vista humano, o falecimento do Marido e Pai dos Apelados, não podemos deixar resvalar-nos para situações injustas, como a obrigação determinada pelo Mmo. Juiz a quo em restituir o valor pago pela viagem a título de "dano das férias arruinadas"
6º O dano não patrimonial autónomo das férias arruinadas tem de ser analisado no pressuposto de existência de responsabilidade da agência organizadora, ou de prestadores de serviços por esta contratados.
7º Sendo tal responsabilidade pressuposto de obrigação de indemnizar, nos termos gerais.
8º Responsabilidade essa que não existe no caso concreto.
9º Tendo a Ré Apelante logrado provar a sua total ausência de culpa, conforme consta expressamente dos autos.
10º Não pode tal dano ser valorado nem equacionado no caso vertente atenta a ausência de culpa da Apelante na produção do acidente.
11º De acordo com os ensinamentos do Prof. Oliveira Ascensão, a Lei Especial prevalece sobre a Lei geral, razão pela qual não poderá proceder a fundamentação do Tribunal a quo no recurso" às regras do Código Civil, porquanto existe um diploma específico que regula a actividade das agências de viagem e estatui o regime da responsabilidade.
12º Assim, a responsabilidade da Apelante está excluída por força das normas legais supra referidas.
13º Sem conceder, e admitindo que a aplicação do artigo 30° da Lei das Agências de viagens se aplica apenas a casos onde exista responsabilidade, o Tribunal, recorrendo ao diploma especial, e aplicando este preceito, poderia ter condenado a Apelante a restituir apenas a diferença entre o valor dos serviços pagos e dos serviços efectivamente prestados.
14º O próprio Tribunal a quo deu como provado que, até ao dia 6 de Agosto de 2001, o programa foi cumprido pontualmente (artigo 44°)
15º Assim, dúvidas não existem sobre a incorrecta aplicação pelo Tribunal a quo do regime previsto no Código Civil, não existindo, no caso vertente, qualquer obrigação de restituição do valor da viagem.
16º Como se referiu e reitera-se, é pressuposto da obrigação de indemnizar, a existência de um dano e seu respectivo nexo causal com a actuação, neste caso, da agência, nexo causal esse que não existe, de todo.
17º Os critérios legais exarados na sentença proferida (parte final), concretamente o recurso às disposições do Código Civil mais não são, salvo o devido respeito, do que uma forma indirecta e material de compensar os Recorridos, mas sem sustentação nas regras que efectivamente se aplicam ao caso concreto (Decreto-Lei n° 209/97, de 13 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo DL n° 12/99, de 11 de Janeiro e 263/2007, de 20 de Julho)
18º A Ré apelante pugnou, desde o início, pela sua total ausência de culpa e pela irresponsabilidade na demanda, não se conformando com qualquer condenação, por questões de princípio e, obviamente, legais.
19º Logrou fazer a prova que lhe competia, quer documental, quer testemunhal.
20º A Sentença proferida viola, desta forma, o princípio da hierarquia das normas jurídicas, aplicando o regime geral previsto no Código Civil quando existe um regime especial de responsabilidade das agências de viagens em diploma próprio.
21º Com o devido respeito pelo Tribunal a quo, conclui a Apelante que a Sentença proferida viola o mais basilar princípio da imputação da responsabilidade civil contratual - a existência do nexo causal entre o facto e o dano e a existência da culpa.
22º O contrato celebrado entre Apelante e o Falecido Marido e Pai dos Recorridos não foi um contrato sui generis celebrado entre as partes, contrariamente ao referido pelo Mmo. Juiz a quo.
23º Antes tendo sido um contrato de viagem organizada, sujeito ao regime especifico previsto em diploma próprio,
24º A haver qualquer responsabilidade da Ré Apelante, o que nunca se admitiu, não se admite nem se admitirá, tal responsabilidade seria sempre contratual.
25º Se o dano não patrimonial autónomo não pode ser relevado no âmbito dessa responsabilidade por força das exclusões legais existentes, não pode o Mmo. Juiz a quo enquadrá-lo num outro regime não aplicável.
26º A Sentença proferida pelo Tribunal a quo, viola o mais elementar princípio geral de Direito - Lei Especial prevalece sobre a lei Geral.
27º Viola igualmente o Regime Jurídico dos Contratos de Viagem Organizada, previsto no DL 12/99, de 11 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo DL 267/07, de 20 de Julho.
28º Salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz a quo, na sentença proferida, procede ao desvio da materialidade subjacente, enquadrando-a num regime geral não aplicável ao caso concreto, de forma a sustentar juridicamente uma obrigação de restituição, que pelo regime especial não existe.
29º Outra decisão não se vislumbra senão a revogação da Sentença proferida na parte condenatória, absolvendo-se a Ré Apelante da totalidade do pedido contra ela formulado, por ser da mais elementar JUSTIÇA.
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Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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É a seguinte a matéria de facto declarada provada pela 1.a instância, relativamente à qual não foi deduzida impugnação:
a) A 1.ª Ré é uma agência de viagens sedeada no Porto, com várias agências distribuídas a nível nacional, que organiza e comercializa viagens e férias (cfr. Doc. n.º 1, da petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos).
b) No âmbito da sua actividade comercial, a 1.ª Ré, através da sua agência sediada em St.º Tirso vendeu ao ora falecido da Autora, Eng.º F………., para si e para a sua família a seguinte viagem:
- Viagem com destino a ………., Brasil, com partida de Lisboa no dia 27 de Julho de 2001, pelas 12,15 hs, voo ………., linhas aéreas “charter” e regresso a Lisboa previsto para o dia 11 de Agosto/01, pelas 06,45 hs. (cfr. Doc. n.º 2 e 3, da petição inicial que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos).
c) O falecido marido da Autora, comprou aquela viagem á Ré D………. para si, para sua esposa e para o filho menor do casal, pelo preço de 855.000$00 (oitocentos e cinquenta e cinco mil escudos) – cfr. Doc. n.º 4 e 5, da petição inicial que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos -.
d) O preço incluía as viagens aéreas de ida e volta, a estadia nos hotéis: “I……….”, em Maceió, “J………., “K……….”, em Porto Galinhas, e ainda, pensão completa e transportes necessários ás deslocações entre os vários hotéis e localidades a visitar previstas no programa (cfr. Doc. n.º 6 e n.º 1, da petição inicial que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos).
e) Concretamente, estava previsto no programa da viagem e assegurado pela 1.ª Ré, a viagem e o necessário transporte terrestre entre Maragogi e Porto Galinhas, viagem essa que ocorreu no dia 06.08.2001.
f) A família F………., juntamente com os restantes companheiros de viagem, efectuaram aquela deslocação a bordo de um microônibus Mercedes Benz, com a matricula MUJ….AL, pertencente á empresa de G………., representante da “D……….” no Brasil, sita na ………., …, ………. – Maceió – AL, conduzido pelo Sr. L………. (cfr. Doc. n.º 7, da petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos).
g) A empresa G………. foi contratada pela 1.ª Ré para, em solo Brasileiro, efectuar o transporte de passageiros nomeadamente entre as localidades de Maragogi e Porto Galinhas.
h) Naquele dia, 06 de Agosto de 2001, a Autora, o marido e filho, encontravam-se no interior do auto-ónibus, que circulava na estrada PE .., no sentido ………./………., quando este colidiu frontalmente com o camião ………., de matricula KPV-…./PE.
i) Do acidente resultaram quatro mortes, ferimentos em vários passageiros e danos avultados nos dois veículos automóveis envolvidos no mesmo.
j) Entre as vitimas mortais deste acidente, conta-se o marido da Autora, o Eng.º F………., de 41 anos de idade, que em consequência directa e necessária deste acidente, viria a falecer no Hospital Municipal ………., no Município de ………., no Brasil Doc. (crf. Doc. n.º 7 e ainda Docs. n.ºs 8 e 9, da petição inicial que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os legais efeitos).
l) A causa directa e necessária da morte foi o choque decorrente de traumatismo do tronco, ocorrido em consequência do acidente (cfr. Doc. nº 10 - fotocópia de exame de corpo de delito - da petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos).
m) Além disso, ao nível esterno, o falecido acusou ainda ferida de bordas afastadas com exposição óssea, medindo 60mm de extensão, localizada na região mandibular direita, escoriação e contusão no lábio superior, ombro esquerdo e escapular esquerdo.
n) Ao nível interno, revelava incisão externo pubiana e rebatimento de plastrão condroexternal, cavidade pleural esquerda repleta de sangue, fractura de todos os arcos costais superiores e médios esquerdos com laceração extensa do pulmão subjacente e mediastino.
o) O falecido foi socorrido no local do acidente, transportado de ambulância para o Hospital de ………., onde viria a falecer, em consequência directa do acidente.
p) No funeral do marido a Autora despendeu a importância de 748,20 Euros (setecentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos) (cfr. Doc. n.º 11, da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos).
q) A 1.ª Ré aquando da celebração do contrato de viagem e respectivo pacote com o marido da Autora entregou-lhe um documento que além de formalizar a celebração do respectivo contrato, identifica a companhia de seguros que civilmente é também responsável.
r) A Empresa G………., sita na ………., …, ……… – Maceió, é a representante da Ré no Brasil.
s) Teor do documento nº1 junto com a contestação da 2ª Ré (Seguro de responsabilidade civil celebrado com a D………., S.A)
t) A Interveniente Acessória G………., lda. transferiu sua responsabilidade civil por danos corporais e materiais sofridos pelos passageiros que transportasse na viatura MVJ ….AL, através da Apólice de Seguro nº …………..-………./…, para a H………. . (cfr. Doc. nº 1, da contestação da Interveniente que aqui se dá por integralmente reproduzida para os legais efeitos).
1) Na aquisição de roupas para o luto para si e para o seu filho, gastou a importância aproximada de 1.000 Euros (mil euros);
2) Em consequência do acidente os óculos da Autora ficaram danificados, tendo sido necessário para substituir a armação e respectivas lentes a importância de 214,48 Euros, conforme documento 12 da petição inicial;
3) À altura do acidente a vitima vestia calção, t-shirt e sandálias que ficaram irrecuperáveis, mas cujo valor em concreto não foi possível apurar;
4) O marido da Autora trazia consigo uma máquina fotográfica, marca “Canon” que desapareceu e cujo valor não foi concretamente apurado;
5) A vitima á data do seu óbito exercia a profissão de Eng.º Civil na empresa denominada “M………., Lda”, sediada em ………., ………., St.º Tirso, onde auferia a importância mensal de 1.571,21 Euros (mil quinhentos e setenta e um euros e vinte e um cêntimos);
6) Paralelamente o falecido Eng. F………. trabalhava por conta própria, e declarou aos impostos no ano de 2000 o rendimento anual de 2,692,51 € (dois mil seiscentos e noventa e dois euros e cinquenta e um cêntimos);
7) Era um pai profundamente dedicado à esposa e ao único filho do casal, que se sentiam verdadeiramente venerados pelo marido e pai;
8) Era um profissional extremamente trabalhador e dedicado ao seu trabalho;
9) Entidade Patronal e colegas de profissão, previam uma ascensão fulgurante na empresa e no mundo da construção civil onde estava inserido, a muito curto prazo;
10) Era uma pessoa extremamente saudável, que até à data não havia acusado qualquer problema de saúde)
11) Os rendimentos auferidos pelo falecido, eram condição determinante para a sustentação do elevado nível de vida a que habituou toda a sua família;
12) Entregava á Autora todos os seus rendimentos por si auferidos;
13) Teve, com a antevisão da própria morte, um sofrimento atroz, pois o mesmo terá ficado consciente durante algum tempo;
14) A morte súbita e violenta do F………., provocou um profundo abalo psíquico e anímico da Autora e no filho C……….;
15) Acrescida do facto da mesma ter ocorrido num período de férias da família, no estrangeiro, longe do apoio de familiares e amigos;
16) A ausência do pai e marido ainda hoje não foi aceite;
17) Continuam ambos a necessitar de apoio médico regular, que os auxilie na recuperação emocional e psicológica decorrente do traumatismo sofrido pela perda, conforme documentos 15 e 16 da petição inicial;
18) Bem como do apoio de familiares e amigos que conscientes do trauma sofrido, e da recusa manifestada em aceitarem a ocorrência do acidente e a morte daí decorrente, se revezam na prestação desse apoio;
19) A Autora ficou politraumatizada e necessitou de acompanhamento neurológico e cirúrgico, apresentando ainda valores anémicos, conforme documento 17 da petição inicial;
20) A fractura do úmero esquerdo necessitou de intervenção cirúrgica, e foi sujeita ainda a neurólise do radial esquerdo, conforme documento 18 da petição inicial;
21) A cirurgia de foro ortopédico incluiu a colocação de material cirúrgico “parafusos” platina, além do necessário tratamento anestésico, conforme documento 18 da petição inicial;
22) A Autora ingeriu vário tipo de medicação, prescrita pelos clínico do N………. em Pernambuco, quer na fase pré quer pós-operatória, conforme documentos 20 a 25 da petição inicial;
23) A Autora sofreu ainda escoriações em todo o corpo que lhe provocaram bastantes dores;
24) As lesões no membro superior esquerdo demandaram tratamento fisiátrico pelo período de seis meses;
25) Já em território Nacional, foi socorrida pelos serviços médicos de urgência do Hospital ………., nesta cidade, nos dias 13.08.2001, 15.08.2001, 19.08.2001, para prestação de serviços pós-operatório da fractura do úmero esquerdo, tendo-lhe sido aplicado pensos e respectivo tratamento médico, conforme documento 26 da petição inicial;
26) Posteriormente acompanhada por médico particular, o mesmo constatou que a paciente havia sofrido:
- Fractura do úmero esquerdo com paresia do nervo radial à qual lhe foi realizada osteossintese com placa, parafusos e exploração cirúrgica do nervo radial;
- Fractura dos ramos esquio-ílio-púbico com tratamento ortopédico com repouso total no leito durante 4 semanas e fisiatrico desde essa altura;
- A paciente apresenta ainda dores e diminuição muscular no braço esquerdo que dificulta e até impede a realização de tarefas que impliquem a extensão ascendente vertical daquele membro, tal como estender roupa no varal, lavar vidros, levantar o filho nos braços, pegar e sustentar objectos mais pesados, e outros movimentos próprios da lide doméstica e do quotidiano de qualquer pessoa.
27) Viu-se ainda obrigada a fazer tratamento termal por prescrição médica, para recuperação da fractura do úmero esquerdo, com a qual despendeu a importância de 450 Euros, conforme documento 27 da petição inicial;
28) Tem sido submetida com regularidade e desde 16.08.2001, a acompanhamento psiquiátrico por padecer de síndroma ansio-depressivo, enquadrável no diagnóstico de perturbação de stress pós-traumático;
29) A Autora até ao decesso do seu amantíssimo esposo, nunca havia necessitado de qualquer acompanhamento psiquiátrico ou sequer demonstrado qualquer instabilidade emocional;
30) O C………., filho da Autora, sofreu traumatismo torácico e de ambos as articulações coxo-femurais e realizou respectivos Rx, sendo que traumatismos resultaram contusões e hematomas em várias e extensas regiões do corpo, conforme documentos 28 a 30 da petição inicial;
31) Como consequência do acidente sofrido no decurso da viagem, o C………. manifesta fobias várias e alterações de comportamento, que têm repercussão no seu rendimento escolar que ficou diminuído desde essa data.
32) Provado apenas o que consta da al. C) da matéria de facto assente
33) Apesar de terem pago esta quantia integralmente, a família F………. viu as suas férias tragicamente interrompidas a partir do dia 06 de Agosto;
34) Os sonhos e expectativas criadas frustaram-se e não foram vividos;
35) Não conheceram as praias paradisíacas, não se deliciaram com a culinária exótica daquele país, não usufruíram das estadias nos hotéis de luxo que haviam pago, incluídos na viagem organizada;
36) As férias ficaram por gozar;
40) A Ré D………., S. A. não informou, previamente, os passageiros qual o montante do capital do seguro obrigatório para os veículos automóveis no pais que visitavam;
42) O acidente que vitimou o marido da Autora ocorreu em consequência de uma colisão frontal de uma camião tipo baú, com carroceria fechada com o mini-bus em que seguiam a Autora e seu filho e demais viajantes;
43) Colisão essa originada pelo facto de o referido camião circular em contramão, conforme documentos (1 e 2) da contestação;
44) Até ao dia 6 de Agosto foi cumprido o programa estabelecido das férias para esse período;
45) A Pe- … não consubstancia o trajecto entre Maragogi e Porto de Galinhas;
46) O “acesso pela PE-…” é a morada onde se situava o K………. em Porto de Galinhas, conforme se demonstra pelo doc. nº 1 da contestação ;
47) Existem dois percursos entre Maragogi e Porto de Galinhas, sendo o primeiro pela BR …, estrada federal, e o segundo pela PE-…, estrada estadual, mais litoral e panorâmica, percursos esses ambos com tráfego intenso, sendo que o último foi o assumido pela Ré D………., S.A;
48) A 1ª Ré D………., S. A nunca respondeu às interpelações da 2ª Ré a fim de obter elementos principalmente as participação do acidente em questão, nem participou o acidente;
49) O minibus onde seguiam os passageiros da viagem organizada pela Ré D………., circulava na Rodovia Estadual PE-…, mais próxima do litoral, e dos hotéis localizados à beira-mar, e desta forma mais adequada aos propósitos da viagem;
50) A alternativa à rodovia estadual PE-… era a rodovia federal BR …, estrada com tráfego intenso;
51) Não houve qualquer alteração do percurso já que o percurso realizado foi o que estava previsto;
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).
E, atentas as conclusões da apelante, a questão suscitada no presente recurso circunscreve-se a saber se à Ré apelante incumbe a obrigação de restituição do valor da viagem aos AA..
Estes haviam reclamado tal quantitativo a título de reparação de um dano não patrimonial – o “dano das férias arruinadas” (ou «dano das férias estragadas»), decorrente da frustração de não se ter realizado a viagem tal como fora idealizada e programada, por factos que imputam – ou imputam também – à apelante D………., S.A., assacando-lhe responsabilidade pelo cumprimento defeituoso do contrato celebrado. O Mmo. Juiz a quo, tendo na sentença recorrida concluído pela existência de uma situação de impossibilidade cumprimento não imputável à apelante “D……….”, nos termos do art. 790, nº 1 do CCivil e pela sua insusceptibilidade de ser contratualmente responsabilizada por qualquer incumprimento pontual das obrigações que assumiu no âmbito do contrato celebrado com a família dos AA, não obstante, lançando mão de um outro instituto - o da impossibilidade definitiva e superveniente de cumprimento não imputável a qualquer dos contraentes -, e fazendo aplicação do disposto no nº 1 do art. 795.º do CCivil, pronunciou-se pela inexistência do direito a receber o preço estipulado no contrato por parte da Ré, em consequência do que a condenou restituir o preço integralmente pago pela família dos AA..
Contra tal entendimento se insurge agora a apelante, sustentando, desde logo, a inaplicabilidade à hipótese vertente do disposto naquele nº 1 do art. 795.º do CCivil,
Afigura-se, desde já, assistir razão à apelante.
Com efeito, a figura contratual que vigorou entre a família dos apelados e a apelante é um contrato de viagem organizada, definido e regulado pelo D.L. nº 209/97, de 13 de Agosto, diploma que revogou o anterior D.L. nº 198/93, de 27 de Maio, que, por sua vez, havia introduzido na ordem jurídica interna a Directiva 90/314/CEE, do Conselho, de 13 de Junho de 1990.
De acordo com o art. 17º, nº2, daquele DL 209/97, a viagem organizada define-se por referência aos seguintes elementos: (a) combinação prévia de serviços; (b) contratação a um preço com tudo incluído; (c) período de duração mínima; (d) natureza dos serviços combinados.
A disciplina jurídica por que se rege tal figura contratual decorre, em primeira linha, do citado D.L. nº 209/97, só em caso de omissão sendo lícito recorrer às normas que genericamente regulam o contrato de prestação de serviços e o cumprimento e não cumprimento das obrigações. É que o D.L. nº 209/97 constitui lei especial relativamente ao Código Civil, preferindo-lhe e tendo um âmbito de vigência temporal independente deste (cfr. art.º 7.º, n.º 3, do CCivil).
Ora, dispõe o n° 4 do artigo 39° do DL. nº 209/97:
“Quando se trate de viagens organizadas, a agência não pode ser responsabilizada se:
a) O cancelamento se baseie no facto de o número de participantes na viagem organizada ser inferior ao mínimo exigido e o cliente for informado por escrito do cancelamento no prazo previsto no programa;
b) O incumprimento não resulte de excesso de reservas e seja devido a situações de força maior ou caso fortuito, motivado por circunstâncias anormais e imprevisíveis, alheias àquele que as invoca, cujas consequências não possam ter sido evitadas apesar de todas as diligências feitas;
c) For demonstrado que o incumprimento se deve à conduta do próprio cliente ou à actuação imprevisível de um terceiro alheio ao fornecimento das prestações devidas pelo contrato;
d) Legalmente não puder accionar o direito de regresso relativamente a terceiros prestadores dos serviços previstos no contrato, nos termos da legislação aplicável;
e) O prestador de serviços de alojamento não puder ser responsabilizado pela deterioração, destruição ou subtracção de bagagens ou outros artigos”.
Na presente situação, concluiu a douta sentença recorrida, e bem, ter ficado demonstrado que a impossibilidade do cumprimento das obrigações contratuais a cargo da Ré apelante ficou a deve-se a facto culposo e imprevisível de um terceiro – manifestamente o condutor do camião tipo baú a que alude 42 supra - terceiro esse que é alheio ao fornecimento das prestações devidas pelo contrato. Tal circunstância, prevista na alínea c) do n.º 4 do mencionado art.º 39.º, exonera a agência de responsabilidade pelo cumprimento das suas obrigações contratuais, aí compreendida, salvo disposição em contrário, a própria obrigação de restituir o preço da viagem, que não pode impor-se a título de indemnização pelo «dano das férias estragadas», o qual pressupõe, no mínimo, a culpa presumida, conforme se decidiu no Ac. RL de 24/06/2008, proc. 2006/2008-7, acessível através de www.dgsi,pt.
Tal disposição existe, sim. Trata-se do nº 3 do artigo 30°, do citado 209/97, nos termos do qual "nas situações previstas nos números anteriores, o cliente tem direito à restituição da diferença entre o preço das prestações previstas e o das efectivamente fornecidas, bem como a ser indemnizado nos termos gerais. Crê-se que o mesmo é aplicável à hipótese vertente, já que o n.º 2 do mesmo art.º faz expressa menção a todos as situações em que se torna impossível prosseguir a viagem, independentemente de responsabilidade da agência ou dos prestadores que tenha contratado. É esta, de resto, a solução que conduz a uma maior equidade na partilha dos riscos inerentes à margem de incerteza que envolve qualquer viagem.
Afigura-se, pelo exposto, que há lugar à restituição da diferença, correspondente ao preço das prestações previstas para o período compreendido entre o dia seguinte ao do acidente e o do regresso, ou seja, aos dias 7, 8, 9, 10 e 11 de Agosto de 2001. Na ausência de elementos sobre preços discriminados, deverá presumir-se que era idêntico o preço de cada um dos 15 dias de viagem contratados, aí compreendido o custo dos voos de ida e de regresso.
Por onde que, proporcionalmente, seria de € 1.419,18 o valor das prestações que não foram fornecidas à família dos AA., e cujo deverá ser-lhe restituído.
Decisão.
Pelo exposto, acordam os juizes desta Relação em revogar parcialmente a sentença recorrida, reduzindo para € 1.419,18 o capital da condenação aí proferida sob a), mantendo-se, quanto ao mais, o decidido.
Custas em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
Porto, 2009/10/13
João Carlos Proença de Oliveira Costa
Maria da Graça Pereira Marques Mira
António Francisco Martins