Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. - AA intentou acção declarativa contra a “Companhia de Seguros .........., S.A.” e “Banco.........., S.A. ”, pedindo:
- que fosse reconhecido como existente, válido e em vigor o contrato de seguro de vida, assinado entre o Autor e as Rés, que previa e prevê, em caso de invalidez, o pagamento do capital seguro à data da invalidez, sem a excepção invocada pela Ré, sendo-lhe reconhecido, em consequência, o direito de accionar as condições de pagamento previstas na apólice, sendo pago o capital pela 1ª Ré, seguradora, ao 2º Réu, mutuário, e sendo este condenado a aceitá-lo, extinguindo-se assim a dívida do Autor, proveniente dos contratos de mútuo celebrados;
- que, em consequência do exposto e na verificação da invalidez permanente do Autor, a 1ª Ré fosse condenada ao pagamento do capital referido à data da invalidez ao 2º Réu no valor de 66.315,68€; e
- que os Réus fossem condenados a pagarem ao Autor a quantia de 2.000,00€ por danos morais.
Fundamentando as suas pretensões, o A. alegou, em síntese, que contraiu dois empréstimos para aquisição de casa própria e obras junto do banco Réu e celebrou a favor deste um seguro de vida junto da Ré, contrato relativamente ao qual ao A. nunca foi enviada a apólice, nem explicadas restrições às coberturas dadas. Devido a doença oncológica, encontra-se em estado de incapacidade permanente global de 80%, mas que a Ré seguradora não reconhece este estado como integrando a previsão de invalidez que consta das condições do seguro e recusa-se a pagar ao banco o capital mutuado.
Contestando, a Ré “Banco.........., S.A” articulou que as condições em que o seguro foi negociado foram discutidas entre a co-Ré “..........” e o A., sendo, por isso, completamente alheia quer às exigências feitas pela Seguradora quer às declarações feitas no boletim de adesão preenchido pelo Autor.
A Ré “..........” também contestou invocando que a situação de invalidez trazida pelo Autor não se enquadra naquela que é prevista pelas condições do seguro, porquanto o Autor mantém capacidade e autonomia para uma série de actos da vida diária e corrente, como seja a de exercer uma actividade remunerada, para tomar as suas refeições, vestir-se, despir-se e deslocar-se.
Para além disso, ao Autor foram entregues todas as condições do contrato de seguro, bem como concedido prazo para a respectiva leitura e compreensão, que o A. alcançou.
Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu:
- “Reconhecer como existente, válido e em vigor o contrato de seguro de vida, assinado entre o Autor e a Ré “..........”, que previa e prevê, em caso de invalidez, o pagamento do capital seguro à data da invalidez, sem a excepção invocada pela Ré, sendo-lhe reconhecido, em consequência, o direito de accionar as condições de pagamento previstas na apólice, sendo pago o capital pela 1ª Ré, seguradora, ao 2º réu, mutuário, e sendo este condenado a aceitá-lo, extinguindo-se assim a dívida do Autor, proveniente dos contratos de mútuo referidos nos docs. 2 e 3 juntos com a inicial;
- Condenar a 1ª Ré, “..........” no pagamento do capital referido à data da invalidez ao 2º Réu, .........., no valor de € 66.315,68; e
- Absolver os Réus do pedido indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais alegados pelo Autor”.
Apelou a Ré “.......... - Companhia de Seguros, S.A.”, (sucessora da .........., SA.), mas a Relação manteve o sentenciado.
A mesma Ré interpõe agora recurso de revista par defender a total absolvição dos pedidos.
Para tanto, argumenta nas conclusões da alegação:
1 - Foi celebrado entre recorrente e recorrido o contrato de seguro do ramo vida titulado pela apólice n° 0000000000
2 - O referido contrato de seguro submetia-se às respectivas condições particulares, gerais e especiais que constam de fls. 137 a 153 dos autos.
3 - O referido contrato de seguro do ramo vida contém as coberturas de morte do segurado/pessoa segura por doença ou acidente, invalidez absoluta e definitiva do segurado/pessoa segura por doença, e invalidez total e permanente do segurado/pessoa segura por acidente.
4 - Consta do artigo 7.1 das condições especiais do referido contrato de seguro do ramo vida que: “Para efeito deste seguro complementar qualquer segurado/pessoa segura é considerado em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, por consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente”.
5 - O recorrido mantém capacidade para por si próprio exercer actividade remunerada.
6 - O recorrido mantém capacidade para executar por si próprio os actos ordinários da vida corrente, a saber para tomar as suas refeições, para se vestir e despir, atento o vestuário que habitualmente utiliza, para cuidar devidamente da sua higiene e para se deslocar no interior da sua residência.
7 - Não se encontram provados os pressupostos da verificação do risco de invalidez absoluta e definitiva coberto pelo mencionado contrato de seguro.
8 - O ónus da prova dos pressupostos da verificação do risco de invalidez absoluta e definitiva incumbia ao recorrido.
9 - Incumbia ao recorrido o ónus da prova dos elementos constitutivos do direito por ele invocado de accionamento do contrato de seguro.
10 - O recorrido não produziu prova dos elementos constitutivos do direito por ele invocado de accionamento do contrato de seguro.
11 - A recorrente provou a falta de verificação dos elementos constitutivos do direito invocado pelo recorrido de accionamento do contrato, apesar do respectivo ónus da prova não lhe competir.
12 - O artigo 7.1 das condições especiais do mencionado contrato de seguro do ramo vida não constitui cláusula de exclusão ou limitação da responsabilidade da recorrente.
13 - O artigo 7.1 das condições especiais do mencionado contrato de seguro do ramo vida apenas contém a definição da cobertura do risco de invalidez absoluta e definitiva.
14 - A exclusão do artigo 7.1 das condições especiais do mencionado contrato de seguro do ramo vida não permite a previsão por decisão judicial de novas coberturas no mencionado contrato de seguro do ramo vida.
15 - Na sentença recorrida, ao decidir-se pela condenação parcial da recorrente nos pedidos formulados pelo recorrido, violou-se o disposto nos artigos 342° e 406° ambos do Código Civil, 5° e 6° do Decreto - Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, e 429° do Código Comercial.
O Recorrido apresentou contra-alegação onde pugna pela manutenção do decidido.
2. - Como resulta do conteúdo das conclusões da Recorrente, as questões cuja resolução se propõe são, com já colocadas perante a Relação, as seguintes:
- Se os pressupostos da verificação do risco de invalidez absoluta e definitiva coberto pelo contrato de seguro do ramo vida celebrado entre Recorrente e Recorrida, que constam expressamente do artigo 7.1 das condições especiais do referido contrato, se encontram demonstrados;
- Se o artigo 7.1 das condições especiais do mencionado contrato de seguro deve ter-se por excluída, por violação do dever de comunicação ao Autor/pessoa segura, como exigido pelo art. 5º do DL n.º 446/85, de 25/10.
- Em caso afirmativo, se a exclusão do artigo 7.1 das condições especiais do mencionado contrato de seguro não permite a previsão por decisão judicial de novas coberturas do referido contrato de seguro.
3. - Vêm definitivamente assentes os seguintes elementos de facto:
A) - No dia 18 de Novembro de 1998, foi outorgada no Cartório Notarial de São João da Madeira uma escritura, intitulada “compra e venda”, na qual CC, em representação da empresa CC, Lda., declarou, em nome da sua representada, vender ao A. que declarou comprar, por dez milhões de escudos, a fracção autónoma designada pela letra “O”, destinada a habitação, com entrada pela segunda porta a contar do lado norte da Rua ..........z (…);
B) - Nesse mesmo dia e local foi ainda outorgada uma escritura intitulada “mútuo com hipoteca e fiança”, na qual ficou além do mais declarado o seguinte:
1 - (…) o primeiro outorgante (aqui A.) solicitou e obteve do Banco Internacional de Crédito, S.A., adiante designado abreviadamente por “BIC”, dois empréstimos no regime de Crédito Jovem Bonificado, pelo prazo de trinta anos, na modalidade de prestações constantes (…), sendo o primeiro pela quantia de dez milhões de escudos, para aquisição do imóvel acima identificado e adquirido pela dita escritura [referida em A)], o qual se destina exclusivamente a sua habitação própria permanente e outro empréstimo, de cinco milhões de escudos, que se destina a obras de beneficiação no mesmo imóvel.
(…)
15 - Que estes empréstimos regem-se ainda pelas cláusulas e termos constantes do documento complementar, elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que os outorgantes declararam conhecer perfeitamente pelo que dispensam a sua leitura.
(…).
C) - Do documento complementar aludido em B) constam nomeadamente os seguintes dizeres:
CLÁUSULA DÉCIMA NONA: O imóvel hipotecado será seguro em companhia seguradora aceite pelo “BIC”, cuja apólice ficará em seu poder, e só com o seu prévio acordo, poderá(ão) o(s) Mutuário(os) alterar ou anular o seguro, obrigando-se o(s) mesmo(s) a reforçar a garantia prestada sempre que o “BIC” o considerar necessário.
O seguro deverá incluir risco de incêndio (…)
(…)
CLÁUSULA VIGÉSIMA OITAVA: O(s) mutuário(s) fica(m) ainda obrigado(s) a efectuar Seguro de Vida, o qual deverá cobrir Morte, Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença e Invalidez Total e Permanente por Acidente, sendo o beneficiário o “BIC”, na qualidade de credor hipotecário privilegiado, pelo valor mínimo do montante dos empréstimos (…).
D) - O Banco.........., S.A. incorporou por fusão o Banco Internacional de Crédito. S.A., doravante designado abreviadamente por “BIC”;
E) - Com data de 07.02.2006, foi emitido e assinado o documento de fls. 44 (aqui dado por reproduzido), intitulado “atestado médico de incapacidade multiuso”, no qual pode ler-se designadamente o seguinte:
(…)
“Dr. DD, Presidente da Junta Médica na Sub-região de Saúde de Aveiro atesta que AA (…) apresenta deficiências, conforme quadro seguinte, que de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n° 341/93 de 30/9 e Decreto-Lei n° 202/96 de 23/10 (com redacção do Decreto-Lei nº 174/97, de 19 de Julho) lhe conferem uma incapacidade permanente global de 80% (oitenta por cento), susceptível de variações futuras, devendo ser reavaliado ao fim de 5 (cinco) ano(s).
Capítulo Números, Alínea: Cap. XVI IV 3).
Coeficiente: 0,80
Capacidade restante: 1 0,20
Desvalorização: 0,80
(…)
Observações: Esta incapacidade verifica-se desde 2005”.
F) - O documento assinado pelo A. que contém as cláusulas do contrato de seguro do Ramo Vida e o que consta de fls. 137 a 153 (aqui dadas por reproduzidas), do qual fazem parte nomeadamente os dizeres em seguida mencionados:
(…)
CONDIÇÕES PARTICULARES
SEGURO DE VIDA GRUPO TEMPORÁRIO CONTRIBUTIVO
Artigo 4°- Garantias
Este Seguro garante durante o prazo de amortização do empréstimo, e no máximo até aos 70 anos de idade para a cobertura de Morte, ou até aos 65 anos para a cobertura de Invalidez, o pagamento do capital em dívida, no momento em que ocorra uma das seguintes situações:
a) Morte do Segurado/Pessoa Segura por Doença ou Acidente:
b) Invalidez Absoluta e Definitiva do Segurado/Pessoa Segura por Doença;
c) Invalidez Total e Permanente do Segurado/Pessoa Segura, por Acidente.
(…)
CONDIÇÕES ESPECIAIS
SEGUROS COMPLEMENTARES DO SEGURO DE VIDA GRUPO
7.1. Objecto deste Seguro
(…)
Para efeito deste Seguro Complementar qualquer Segurado/Pessoa Segura é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, por consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente.
G) - O A. nasceu no dia 25 de Julho de 1975.
1) - As propostas para a celebração dos contratos de seguro aludidos em C) - “imóvel” e “vida” – foram naquele mesmo dia apresentadas pelo “BIC” ao A., que as assinou, ficando aquele com as mesmas.
2) - Quando o A. outorgou o contrato de seguro que cobria a sua integridade na doença e saúde, ficou convencido que, em caso de incapacidade para pagar as prestações ao “BIC” dos empréstimos contraídos, a 1ª Ré, na qualidade de seguradora, fá-lo-ia.
3) - Nem o “BIC”, nem a 1ª Ré entregou ao A. a apólice, duplicado ou cópia, relativa ao seguro de vida celebrado.
4) - Nem lhe foram dadas explicações sobre qualquer tipo de restrições às coberturas dadas pelo seguro.
5) - A 1ª Ré nunca enviou ao A. qualquer prova da efectiva existência do seguro, e apenas o 2º Réu lhe enviou prova do pagamento dos prémios.
6) - O A. era uma pessoa saudável na data referida em A) e B), nada fazendo prever o aparecimento de doenças neoplásicas.
7) - Porém, em 16 de Setembro de 2002, após ter sentido dores no testículo esquerdo, foi-lhe diagnosticada uma neoplasia e foi-lhe feita ablação do testículo esquerdo.
8) - Em 07 de Junho de 2005, ao A., após ter sentido dores no testículo direito, foi-lhe diagnosticada uma nova neoplasia, e em consequência foi-lhe feita a ablação do testículo direito.
9) - A incapacidade a que se alude em E) resulta dos factos descritos em 7) e 8).
10) - Tendo-se o A. dirigido à 1ª Ré, a fim de esta pagar ao 2° Réu a quantia em dívida relativa aos empréstimos, face ao descrito em 7) a 9), a 1ª Ré escusou-se a tanto mediante a carta de fls. 46, datada de 4 de Maio de 2006, da qual fazem parte nomeadamente os dizeres em seguida descritos:
- Qualquer Segurado é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, por consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada, e na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente: lavar-se, alimentar-se, vestir-se e deslocar-se.
Nestes termos e após análise da documentação clínica enviada por V Exa., concluímos que a Invalidez da qual V. Exa. é portador não se enquadra no previsto nas Condições Especiais dos Seguros Complementares do Seguro.
11) - Tendo o A. pedido à 1ª Ré a reapreciação do processo, esta respondeu-lhe mediante a carta de fls. 47, datada de 26 de Junho de 2006, da qual constam designadamente os dizeres em seguida mencionados:
(…)
Em resposta ao mesmo, e após análise da documentação enviada, somos a informar que mantemos a posição transmitida na nossa carta datada de 04 de Maio de 2006, uma vez que a Invalidez da qual V. Exa. é portador não se enquadra no previsto nas Condições Especiais dos Seguros Complementares do Seguro.
14) - O A. mantém capacidade para por si próprio exercer actividade remunerada.
15) - E para executar por si próprio os actos ordinários da vida corrente, a saber, para tomar as suas refeições, para se vestir e despir, atento o vestuário que habitualmente utilize, para se deslocar no interior da sua residência e para cuidar devidamente da sua higiene.
4. - Mérito do recurso.
4. 1. - Nos mesmos precisos termos em que a colocou perante a Relação, a Recorrente insiste em centrar a questão na falta de prova dos pressupostos da verificação do risco de invalidez absoluta e definitiva do Autor coberto pelo contrato, à luz da cláusula 7.1 das Condições Especiais do referido contrato.
Ora, como já se fez notar no acórdão impugnado, a questão que se coloca, num primeiro momento, não é a de saber se a invalidez de que o Recorrido demonstrou padecer preenche ou não os pressupostos de verificação do risco coberto face ao conceito que dele fornece a cláusula 7.1, mas, antes, a de saber se, como decidiram as Instâncias, tal cláusula deve ter-se por excluída do contrato e, em qualquer caso, quais as respectivas consequências.
Por isso, importa começar por decidir esta questão, pressuposto de apreciação das demais.
4. 2. - Violação do dever de comunicação. Exclusão da cláusula 7.1 das Condições Especiais do Contrato de Seguro.
4. 2. 1. - As Instâncias julgaram excluída do contrato a cláusula 7.1 das Condições Especiais, por incumprimento do dever de comunicação, decisão contra a qual se insurge a Recorrente, argumentando que a mesma não constitui cláusula de exclusão ou limitação da responsabilidade da Seguradora.
A cláusula em questão contém uma definição relativa ao objecto do seguro, concretizando o objecto da garantia enunciado no art. 4º-b) das Condições Particulares.
Neste consta que o Seguro garante o pagamento do capital em dívida em caso de «Invalidez Absoluta e Definitiva do Segurado/Pessoa Segura por Doença», enquanto na cláusula 7.1, preenchendo ou definindo o conceito – como se prevê no art. 10º-1-a) do DL n.º 176/95, de 26/7 -, se delimita e concretiza a situação de «Invalidez Absoluta e Definitiva», reportando-a ao estado que “é considerado …quando o Segurado fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente”.
Ora, extravasando, como extravasa, manifestamente, o conteúdo das Condições Particulares - desde logo à luz da exigência cumulativa da incapacidade total para o exercício de qualquer actividade remunerada e à necessária dependência de terceiros para acudir aos actos ordinários da vida corrente -, não se vê como possa aceitar-se, como defende a Recorrente, que a cláusula, pretendendo ou propondo-se, embora, definir um conceito tendente ao esclarecimento das condições contratuais, não se apresente como limitativa do conceito que as Condições Particulares adoptaram na indicação/definição do objecto das coberturas.
Assente, pois, que se trata de cláusula relevante na limitação do risco coberto pela garantia do Seguro.
4. 2. 2. - Ninguém questiona que a cláusula em causa, enquanto cláusula de contrato de seguro, formalizado através da respectiva apólice, a que o Recorrido se limitou a aderir, remete para o campo dos contratos de adesão, em que vale o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.
No art. 5º do DL n.º 446/85 impõe-se à parte que utilize cláusulas contratuais pré-formuladas para uma pluralidade de contratos, independentemente das pessoas que os venham a subscrever, para serem aceites no seu todo – cláusulas contratuais gerais -, o dever de comunicação e de informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.
Como bem se compreende que, para que as cláusulas pré-estabelecidas em vista dum contrato devam considerar-se parte integrante dele seja necessária a respectiva aceitação pela outra parte, o que só pode ocorrer se esta tiver conhecimento dessas componentes da proposta negocial. A não ser assim, não pode falar-se de uma livre, consciente e correcta formação de vontade, nomeadamente isenta dos vícios a que se alude nos arts. 246º, 247º e 251º C. Civil.
Na verdade, como também o art. 232º C. Civil previne, não pode falar-se em conclusão de um contrato se não estiver assegurada coincidência entre a aceitação e a oferta relativamente aos elementos relevantes do negócio, o que nos contratos de adesão supõe que se garanta ao aderente um cabal e efectivo conhecimento do clausulado que integra o projecto ou proposta negocial
Estabelece a lei o princípio de que a comunicação deve ter em consideração a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, de forma a que o aderente, usando da diligência própria do cidadão médio, normal ou comum, possa aceder a um conhecimento completo e efectivo.
Não bastando a simples informação da existência de cláusulas contratuais gerais, exige-se “que à contraparte do utilizador sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo, a fim de, se o quiser, formar adequadamente a sua vontade e medir o alcance das suas decisões. Que o contraente venha a ter, na prática, tal conhecimento, isso já não é exigido, pois bem pode suceder que a sua conduta não se conforme com o grau de diligência legalmente pressuposto (...): aquilo a que o utilizador está vinculado é tão-só proporcionar à contraparte a razoável possibilidade de delas tomar conhecimento” (ALMENO DE SÁ, “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, 190/191).
O utilizador das cláusulas pré-elaboradas deve ainda esclarecer o aderente sobre o respectivo conteúdo, significado e consequências sempre que a sua complexidade, extensão, carácter técnico ou outras circunstâncias o justifiquem do ponto de vista das necessidades ou dificuldades de um aderente normal, perante o concreto bloco de cláusulas. É uma emanação do princípio da boa fé – art. 227º-1 C. Civil (ALMEIDA COSTA/MENEZES CORDEIRO, ob. cit., anot. ao art. 6º).
O art. 8º-a) e b) do DL determina que se considerem excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art. 5º e as comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo, sendo que no n.º 3 deste último preceito se faz recair sobre o contraente que submeta a outrem as cláusulas gerais o ónus da prova da comunicação.
Ora, no caso, está claramente demonstrado que as Rés não entregaram ao Autor a apólice ou qualquer cópia do contrato de seguro nem lhe deram explicações sobre quaisquer limitações às coberturas dadas pelo seguro que o Autor apenas sabia serem, ao que ao caso interessa convocar, a “invalidez absoluta e definitiva por doença”.
Consequentemente, resta confirmar a exclusão da cláusula, tal como vem decidido.
4. 3. - Concurso dos pressupostos da verificação do risco de invalidez absoluta e definitiva coberto pelo contrato de seguro.
4. 3. 1. - A Recorrente sustenta que não estão demonstrados os pressupostos de verificação do risco coberto pelo contrato, não permitindo a exclusão da cláusula 7.1 que a decisão judicial preveja novas coberturas do contrato.
Vejamos, então.
A Recorrente, confrontada com a pretensão do Autor, que logo invocou a falta de comunicação das cláusulas do contrato de seguro, aceitando apenas a comunicação da cobertura nos termos constantes da cláusula 28ª das “cláusulas do contrato de mútuo com hipoteca” e do referido art. 4º das Condições Particulares, ou seja, o risco de “Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença”, opôs-lhe a validade de todo o clausulado, nomeadamente das Condições Especiais, prescindindo de invocar a (por isso, incompatível) nulidade do contrato, socorrendo-se do disposto no n.º 2 do art. 9º do Dec.-Lei n.º 446/85.
Vale isto por dizer, a um tempo que, ao serem-lhe omitidas certas cláusulas do contrato de seguro, designadamente as constantes das Condições Especiais e especificamente a contida no n.º 7.1, o Autor apenas aderiu e se tornou parte no contrato cujo clausulado corresponde ao que lhe foi comunicado, contrato esse que, atenta a posição das Partes, deve ter-se como válido e eficaz na parte não afectada, ao abrigo do disposto no art. 9º do Dec.-Lei 446/85..
Não estará, portanto, em causa a previsão de riscos com novas coberturas, mas a concreta cobertura constante das Condições Particulares da Apólice sob o artigo 4-b).
4. 3. 2. - Assim sendo, sobra, para apreciação, uma questão de interpretação da conceito expresso no art. 4º como objecto da garantia do seguro, com vista à subsunção da concreta situação de incapacidade do Autor, isto é, à inclusão ou não desta situação no âmbito do risco coberto.
Liminarmente deve deixar-se referido estarmos no domínio do seguro voluntário, em que rege a liberdade de fixação dos riscos cobertos e do âmbito das respectivas coberturas pelas partes, dentro dos limites permitidos pela lei, sendo que a validade e eficácia dessas cláusulas depende sempre da sua redução a escrito, por a mesma lei atribuir ao contrato de seguro a natureza de contrato substancialmente formal (arts. 426º e 427º C. Comercial e 405º C. Civil).
Estamos, como dito, sob o domínio dos contratos de adesão, em que vale o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, designadamente no que respeita às cláusulas ambíguas, que devem valer com o sentido que lhes atribuiria um aderente normal colocado na posição do aderente real – art. 11º do DL n.º 446/85 – e que as Seguradoras estão obrigadas a redigir “de modo claro e perfeitamente inteligível” as cláusulas gerais e especiais das apólices que emitem (DL n.º 176/95 – art. 8º).
Das condições gerais e especiais dos contratos de seguro do ramo «Vida» devem constar, entre outros, elementos como a “definição dos conceitos necessários ao conveniente esclarecimento das condições contratuais” e o “âmbito do contrato” (art. 10º do mesmo DL).
A interpretação das cláusulas contratuais gerais faz-se, em princípio, segundo as regras gerais de interpretação das declarações negociais com o regime previsto nos arts. 236º a 238º do C. Civil, atendendo ao circunstancialismo específico do contrato interpretando em que as cláusulas se inserem – art. 10º do DL 446/85.
O mesmo sucede quando o intérprete se depare com cláusulas contratuais ambíguas em que vale o mesmo regime interpretativo acolhido pela lei geral, novamente por expressa disposição do n.º 1 do art. 11º da lei especial: - As cláusulas ambíguas devem ser entendidas com o sentido que lhes atribuiria um aderente normal, colocado na posição do aderente real, tal-qualmente se estabelece no dito art. 236º-1, salvo quando, mediante aplicação dos princípios gerais sobre interpretação, à luz da “impressão do destinatário”, se não supere a ambiguidade, permanecendo dúvidas, sendo que, então, admitido desvio ao disposto no art. 237º C. Civil, o n.º 2 do citado art. 11º faz prevalecer o sentido interpretativo mais favorável ao aderente, opção que bem se compreende tendo presente a situação de vantagem em que se encontra o predisponente no plano técnico e jurídico, sendo justo, como o exige a própria boa fé, que suporte as consequências da violação dos deveres de clareza e rigor dos quadros reguladores que coloca aos aderentes.
Não se invocam no processo tanto divergências interpretativas ou dúvidas sobre o sentido com que deve valer a cláusula, mas, sobretudo, sobre o respectivo preenchimento pela factualidade demonstrada: - a incapacidade permanente global de 80% do Autor e a manutenção da sua capacidade para exercer actividade remunerada.
Consequentemente, não há desvios a assinalar ao critério geral de interpretação a que se fez referência.
Uma invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua actividade, designadamente a laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência.
O que o contrato de seguro celebrado tem por escopo ou pretende prevenir, cobrindo o respectivo risco, é que, em consequência de doença grave e incapacitante, o segurado fique numa situação de não poder cumprir o contrato, satisfazendo as prestações acordadas, por perda definitiva da capacidade de angariação de réditos, devendo, então, substituir-se-lhe a seguradora.
Ora, o que o Autor alegou e provou foi apenas uma incapacidade permanente global de 80%, fixada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, incapacidade essa que, como do Atestado Médico consta, é “susceptível de variações futuras”.
Está-se perante a mera demonstração de uma situação de prejuízo funcional geral, correspondente a um coeficiente expresso em percentagem, sendo que a existência de uma disfunção total, a corresponder a uma incapacidade permanente absoluta, haveria de ser expressa pela unidade (cfr. ponto 3 das Instruções Gerais da TNI).
Nada está demonstrado sobre uma efectiva perda de ganho do Autor ou mesmo da afectação da capacidade de ganho, nomeadamente em termos proporcionais à percentagem de IPG atribuída.
Bem diferentemente, vem provado que o Autor mantém capacidade para por si próprio exercer actividade remunerada, sem que se conheça se, e, em caso afirmativo, em que termos, a incapacidade parcial de que padece afectou ou afecta o exercício das actividades que desenvolvia antes da doença e as remunerações que auferia do respectivo exercício.
Não pode, pois, sem mais, afirmar-se, estendendo para equiparar a mera IPG de 80%, desacompanhada de qualquer prova de dela decorrer perda de ganho ou da capacidade de ganho, a um estado de incapacidade absoluta ou completa e definitiva, seja por referência a um prejuízo funcional total (IPA), seja, por maioria de razão, na consideração da sua relação com obtenção de rendimentos do trabalho, em atenção à natureza do contrato.
Crê-se que o veda, desde logo, o texto da cláusula e o entendimento que do mesmo poderia e deveria extrair o destinatário médio e de boa fé ao aderir a um contrato de seguro de grupo que lhe garantiria o pagamento das prestações do mútuo em caso de invalidez e definitiva por doença, a associar, necessariamente, a perda de remuneração por incapacidade de a angariar (arts. 236º-1 e 238º-1 cit.).
Entende-se, em consequência, que a situação de incapacidade alegada e demonstrada não preenche os pressupostos de inclusão na garantia da cobertura, subsistente no contrato de seguro celebrado, denominada “Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença”.
A pretensão do Autor-recorrido formulada na acção tem, assim, de improceder.
Decisão.
Em conformidade com o exposto, acorda-se em:
- Conceder a revista;
- Revogar o acórdão impugnado;
- Julgar improcedente a acção e absolver do pedido também a Ré
Seguradora e Recorrente; e,
- Condenar o Recorrido nas custas.
Lisboa, 29 de Março de 2011
Alves Velho (Relator)
Moreira Camilo
Paulo Sá