Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Em 05.12.05, na 10ª Vara Cível de Lisboa, AA, SA, intentou contra BB a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário
pedindo
a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 23.582,58, acrescida de € 1.380,69 de juros vencidos até 05.12.2005 e de € 55,23 de imposto de selo sobre estes juros e ainda dos juros que sobre a primeira importância se vencerem, à taxa anual de 22,26%, contados desde 06.12.2005 até integral pagamento, a que acrescerá o imposto de selo respectivo, bem como no pagamento de custas, procuradoria e mais legal.
alegando
em resumo, que
- por contrato celebrado com o R., emprestou a este a quantia de € 40.075, com vista à aquisição de um veiculo automóvel da marca Porsche, modelo 911 Coupé, com a matricula ..-..-.. que foi substituído pela viatura da mesma marca, modelo 911 Turbo Carrera, com a matricula ..-..-.. e posteriormente substituído pela viatura de marca Mercedes, modelo Benz CDI, com a matricula ..-..-..;
- o montante emprestado seria pago em 60 prestações mensais e sucessivas de € 1.055,49, que incluía juros à taxa de 18,26% ao ano, vencendo-se a primeira prestação em 20.08.2004 e as seguintes no dia 20 dos meses subsequentes;
- o R. não pagou a 10ª prestação vencida a 20.05.2005, nem as seguintes;
- instado a pagar o montante em débito, procedeu à venda da viatura pelo preço de € 33.764, que entregou à A. por conta da importância em dívida.
Contestando
e também em resumo, o réu alegou
- não ter pago a 10ª prestação a as seguintes, sendo que, de tal facto não pode resultar o vencimento antecipado da obrigação de capital e da obrigação de juros, mas apenas da primeira;
- limitou-se a assinar um documento onde constava a identificação do veículo financiado, do fornecedor e as condições do financiamento, protecção e garantias, desconhecendo as Condições Gerais.
Em 07.01.08 e no despacho saneador, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré nos seguintes termos:
“ (…) condeno o réu, BB, a pagar à autora, AA, S.A., a quantia de € 7.388,43 (sete mil trezentos e oitenta e oito euros e quarenta e três cêntimos), acrescida de juros à taxa anual de 18,26%, contados desde o vencimento de cada uma das prestações vencidas entre 20.05.2005 e 14.12.2005 até integral pagamento.
Mais condeno o réu a pagar à autora o valor do capital em divida em 14.12.2005, a apurar em sede de liquidação, quantia a que acrescerá juros à taxa de 18.26% ao ano, até integral pagamento, bem como no correspondente imposto de selo sobre os juros de mora, absolvendo-o do restante pedido”.
A autora apelou sem êxito, tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 07.06.26, confirmado a decisão recorrida.
Novamente inconformado, a autora deduziu a apresente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.
O recorrido não contra alegou.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
As questões
Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:
A) – Comunicação de clausulas gerais inseridas em formulário
B) – Interpelação para pagar a dívida
C) – Montante da dívida.
Os factos
São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:
1. Em 21.07.2004, A e R. subscreveram o escrito particular de que existe cópia a fls. 9, designado “contrato de mútuo” nos termos do qual a A. emprestou ao R. a quantia de € 40.075 (quarenta mil e setenta e cinco euros), à taxa de 18,26% de juros, a pagar em 60 prestações de € 1.055,49, com inicio em 20.08.2004, destinado à aquisição da viatura marca Porsche, modelo 911 Coupé, de matricula ..-..-..;
2. Em 25.08.2004, A. e R. subscreveram o escrito particular, de que existe cópia a fls. 10, designado “Aditamento ao contrato de mútuo nº ........”, nos termos do qual procederam à alteração do objecto do contrato, substituindo-o pelo veiculo de marca Porsche, modelo 911 Turbo Carrera, com a matricula ...-..-..;
3. Em 28.10.2004, A. e R. subscreveram o escrito particular, de que existe cópia a fls. 11, designado “Aditamento ao contrato de mútuo nº ........”, nos termos do qual procederam à alteração do objecto do contrato, substituindo-o pelo veiculo marca Mercedes Benz CDI, de matricula ..-. -..;
4. As prestações mensais deveriam ser pagas mediante transferência bancária, para a conta da A. a efectuar na data de vencimento de cada uma das prestações;
5. No verso do documento aludido em 1, desacompanhado de qualquer assinatura, constam sob o título “Condições Gerais”, na cláusula 8. Mora e Cláusula Penal, alínea b) o seguinte: “A falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes.”;
6. No mesmo local atrás referido, na mesma cláusula, alínea c) consta o seguinte: “Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo de mora, a título da cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora.”;
7. O R. deixou de pagar as prestações a partir da 10ª, que se venceu em 20.05.2005;
8. O R. entregou à A. o veiculo identificado em 3 para que esta procedesse à sua venda e imputasse o valor obtido no seu débito;
9. Em 31.08.2005, a A. procedeu à venda da viatura pelo preço de € 33.764,05, valor que ficou na pose da A.;
10. O réu foi citado em 14.12.2005.
Os factos, o direito e o recurso
A) – Comunicação de cláusulas gerais inseridas em formulário
No acórdão recorrido e por aderência à sentença proferida na 1ª instância, entendeu-se que as cláusulas denominadas de “condições gerais” insertas no verso do contrato invocado pela autora eram nulas, nos termos da alínea d) do nº1 do artigo 8º do Decreto Lei 446/85, de 21.10, porque sendo cláusulas gerais, foram “inseridas em formulários depois da assinatura de alguns dos contratantes”
Pelo que não podia ser considerada a cláusula penal referida na alínea c) da cláusula 8ª inserta nas referidas “condições gerais” e transcrita no ponto 6 da matéria dada como assente.
A autora recorrente entende que as referidas “condições gerais” não foram insertas no contrato depois da assinatura dos contratantes porque quando o réu apôs a sua assinatura no documento já se encontravam impressas no seu verso.
Cremos que não tem razão.
O Decreto Lei 446/85, de 25.10, disciplina as cláusulas contratuais gerais, entretendo-se como tal as cláusulas elaboradas sem prévia negociação individual, como elementos de um projecto de contrato de adesão, destinadas a tornarem-se vinculativas quando proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a subscrever ou aceitar esse projecto – cfr. artigo 1º do citado Decreto-lei e Inocêncio Galvão Telles “in” Manual dos Contratos em Geral, 4ª edição, página 318.
Nos termos do disposto na alínea d) do artigo 8º desse Decreto-lei, consideram-se excluídas dos contratos singulares “as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de alguns dos contraentes”.
Formulário é tudo aquilo que contém qualquer fórmula, ou seja, qualquer expressão de um preceito ou principio – cfr. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado.
Trata-se de penalizar cláusulas em relação às quais se verifica um condicionalismo externo que inculca a ideia da inexistência de qualquer consenso ou de que não foram lidas – Menezes Cordeiro “in” Tratado de Direito Civil, tomo I, 3ª edição, página 623.
A finalidade da norma é a de evitar uma aceitação fictícia, virtual ou aparente das cláusulas, não estando minimamente assegurado, na situação prevista, que o contratante médio tenha lido, se tenha apercebido ou tido sequer qualquer contacto prévio com as cláusulas que foram apostas num local diverso – embora muito próximo – daquele onde assinou – cfr. Gravato de Morais “in” Contratos de Crédito ao Consumo, 2007, página 143.
E sendo esta a finalidade do preceito, não é de atender a interpretação do mesmo no sentido de que estando cláusulas referentes a “condições gerais” do contrato insertas no verso de um documento assinado pelos contratantes na parte frontal, aqui se referindo a existência dessas condições, se tem que entender que o contratante médio tinha tido conhecimento dessas cláusulas.
É que a lei não pretende apenas evitar o desconhecimento da existência das cláusulas na altura em que são apostas as assinaturas.
Pretende essencialmente evitar que nesse momento haja o desconhecimento do seu conteúdo.
E para esse efeito, impõe a obrigatoriedade de a assinatura do consumidor ter que ser posterior à aposição dessas cláusulas.
Trata-se, pois, de uma norma imperativa.
Que não comporta outra interpretação – artigo 9º do Código Civil - senão a que as assinaturas dos outorgantes num contrato singular onde estejam inseria cláusulas contratuais gerais têm que ser apostas depois dessas cláusulas.
É irrelevante, pois, para o efeito, que antes dessas assinaturas se tenha feito referência à existência daquelas cláusulas apostas depois dessas assinaturas.
Ou que as cláusulas existissem já na altura dessa aposição.
Ou que as cláusulas constassem do verso do documento em cuja parte frontal as assinaturas tinham sido apostas.
Onde a lei não distingue, não deve o intérprete distinguir.
Em todos estes casos, as assinaturas foram apostas antes das cláusulas contratuais gerais.
Com a violação, pois, da imposição estabelecida na norma que vimos a analisar.
Voltemos ao caso concreto em apreço.
As cláusulas em causa e que constam do verso do documento impresso pela autora e denominado de “contrato de mútuo” são, manifestamente, cláusulas contratuais gerais, tendo em conta a definição acima referida.
O que, aliás, é aceite por ambas as partes.
Dele constam as assinaturas dos contratantes na parte frontal.
No verso, constam cláusulas denominadas de “condições gerais”.
A seguir a estas cláusulas, não existem quaisquer assinaturas dos contraentes.
Face ao que acima ficou dito, tais cláusulas, pelo facto de terem inseridas em formulário depois das assinaturas dos contratantes, consideram-se excluídas do contrato.
Como bem se decidiu no acórdão recorrido.
Neste sentido, a jurisprudência predominante neste Supremo, de que citamos como mais recentes, o acórdão de 05.01.13 “in” Colectânea de Jurisprudência/Supremo Tribunal de Justiça, 2005, I, 35 e os acórdão de 07.02.06, 07.05.03 e 07.09.27 “in” www.dgsi.pt.
Apenas uma nota final.
Face ao texto da lei, sempre seria de exigir à autora, pelo menos, que tivesse dúvidas sobre o local onde as assinaturas haveriam de ser apostas no documento.
Ora se é assim, não há qualquer razão explicativa para o facto de a autora não ter impresso o local das assinaturas no verso do documento – ou até, no verso e na frente – garantindo, assim, a certeza que a boa fé sempre exigiria.
B) – Interpelação para pagar a dívida
No acórdão recorrido, também por aderência à sentença proferida na 1ª instância, entendeu-se que não era possível considerar vencidas todas as prestações posteriores à primeira prestação em dívida porque o réu não tinha sido interpelado para as pagar, considerando-se que só o fora com a citação para a presente acção, constituindo-se em mora só a partir daí.
A autora recorrente entende que, de acordo com o disposto no artigo 781º do Código Civil, não era necessária tal interpelação para que se verificasse o vencimento de todas as prestações e mesmo que fosse necessária, face ao facto de o réu ter concordado que a autora promovesse à venda do veículo, para cuja aquisição o montante do empréstimo foi por este utilizado e imputasse o valor obtido no seu débito, sempre se teria que concluir que, antes da data da venda desse veiculo – ..-..-.. – o réu tinha sido interpelado para pagar as prestações restantes.
Não tem razão.
Dispõe-se no nº1 do artigo 9º do citado Decreto Lei 446/85 que, nos casos previstos no artigo 8º “os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos”.
Disto decorre que, apesar de se excluir as cláusulas constantes das denominadas “condições gerais” apostas no verso do documento, onde, na alínea b) da cláusula 8ª se determinava que “a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes”, ficava a valer o regime supletivo estabelecido no artigo 781º do Código Civil relativo à mesma matéria.
Dispõe-se neste artigo que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Visa este preceito proteger o interesse do credor que, perante a falta de pagamento de uma das prestações em dívida, pode ter razões para a perda de confiança em que se apoia o plano de pagamento.
Daí, o benefício que lhe é concedido pela lei de não se manter sujeito ao escalonamento do pagamento decorrente dos prazos inicialmente estabelecidos, vencendo-se a dívida na sua totalidade.
Mas o facto de esta se considerar imediatamente vencida não significa que seja imediatamente exigível.
Conforme escreveu Antunes Varela “in” Das Obrigações em Geral, volume II, 6ª edição, página 53 “o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente de interpelação ao devedor.
A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui”.
O facto de estarem vencidas todas as prestações não dispensa o credor de interpelar o devedor para pagar, se quiser que este responda pelos danos moratórios provenientes do não pagamento das prestações vincendas.
Tem sido este o sentido de julgamento predominante neste Supremo, de que são exemplo os acórdãos já acima citados.
No caso em apreço, não resulta da matéria dada como provada que o réu tenha sido, antes da instauração da presente acção, interpelado para pagar todas prestações.
O que resulta apenas é que entregou à autora o veículo para cuja aquisição o empréstimo foi concedido para que esta procedesse à sua venda e imputasse o valor obtido no seu débito.
Daí não resulta necessariamente que previamente tenha sido interpelado, uma vez que podia fazer a entrega referida sem ter existido aquela interpelação, ou seja, “motu proprio”.
Concluímos, pois, que bem se andou no acórdão recorrido em considerar que o réu só foi interpelado para pagar a totalidade da dívida com a citação para a presente acção.
C) – Montante da dívida
No acórdão recorrido, também por aderência à sentença proferida na 1ª instância, entendeu-se que exprimindo os juros remuneratórios o rendimento financeiro do capital mutuado, “não podem ser incluídos nas prestações de capital cujo vencimento é antecipado, mas apenas nas prestações vencidas, havendo que distinguir as dívidas de capital e das juros”.
A autora entende que não há que fazer qualquer distinção entre vencimento de fracções das prestações relativas ao capital e fracções relativas aos juros, uma vez que tudo é capital por força da capitalização, estando as prestações vencidas na sua totalidade.
Não tem razão.
Antes de mais, há que sublinhar que para a resolução da questão não há que ter em conta o alegado acordo entre as partes constante da alínea b) da cláusula 8ª das denominadas “Condições Gerais” constantes do verso do documento denominando de “contrato de mútuo” – em que se estabelecia que “a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes” – uma vez que tal cláusula – e as restantes constantes daquelas “condições gerais” – foram consideradas excluídas do contrato, conforme o decidido aquando da apreciação da primeira questão
Aplicando-se, no entanto e supletivamente, o disposto no artigo 781º do Código Civil, já acima transcrito.
Ora, tendo em conta este dispositivo, não há dúvida que à dívida emergente do contrato de mútuo em apreço se aplica esse preceito, uma vez que as partes acordaram no seu reembolso fraccionado, mediante pagamentos parcelares em prestações escalonadas no tempo.
A questão que se levanta é saber se o vencimento imediato de todas as prestações se refere apenas às prestações relativas ao capital, ou se refere também às prestações relativas aos juros.
Estes constituem uma remuneração da capital calculada em função do valor do mesmo e do decurso do tempo.
Trata-se, no fundo, de uma contrapartida económica que se presta ao credor em razão do tempo durante o qual esteve privado de utilizar o capital.
Em relação aos créditos bancários, estabelece-se no nº 2 do artigo 5º do Decreto-lei 344/78, de 17.11, que “os juros (…) serão calculados em função dos períodos e montantes de utilização efectiva dos fundos pelo beneficiário (…)”.
Como tal, subjacente ao crédito de juros, encontra-se sempre o decurso de um certo lapso temporal, sem o qual esse crédito não existe.
Na verdade, o crédito de juros só nasce à medida e na medida em que o tempo decorre.
E uma vez que constitui uma remuneração pela indisponibilidade do capital mutuado, só se mantém até ao momento do vencimento da obrigação de restituição do capital.
Vencida essa obrigação, deixa de haver lugar a remuneração pela indisponibilidade do capital.
Não se vencendo juros remuneratórios, não se chega a colocar, sequer, a questão da sua capitalização.
Melhor dizendo, os juros capitalizados a ter em conta são apenas os incluídos nas prestações que já foram pagas.
Nas prestações que se venceram, nos termos do artigo 791º do Código Civil, por virtude da não realização de uma delas e exigíveis em virtude da interpelação do credor, a capitalização dos juros não pode ser considerada porque, como se disse, deixaram de existir juros remuneratórios.
No caso concreto em apreço, as partes acordaram o pagamento pelo mutuário de uma determinada quantia a título de juros remuneratórios, que foi calculada tendo em conta o período de tempo pelo qual o reembolso do empréstimo iria prolongar-se nos termos contratualmente estabelecidos.
Conforme refere Antunes Varela “in” ob. cit. II volume II, página 53, a natureza distinta das dívidas de capital e de juros leva a que “a falta de pagamento dos juros não implica o vencimento imediato da dívida de capital, visto não se tratar de fracções da mesma dívida, mas de dívidas distintas, ainda que estritamente conexas entre si”.
Nesta ordem de ideias, o vencimento da totalidade da dívida de capital tem como consequência deixarem de ser devidos a partir desse momento quaisquer juros remuneratórios, pois cessa então a privação do uso do capital contratualmente legitimada a que o credor estava sujeito.
Isto, naturalmente, sem prejuízo de virem a vencer-se juros de mora, que constituem uma realidade jurídica diversa dos juros remuneratórios, caso o devedor não proceda ao reembolso da totalidade do capital na altura própria.
Por conseguinte, correctamente interpretada, a norma do art. 781º Código Civil é inaplicável à dívida de juros.
Invoca-se para se defender a tese de que os juros remuneratórios também se vencem com o não pagamento de uma prestação, o facto de, se não fosse assim, o mutuário que resolvesse antecipar o pagamento das prestações ficava numa situação de inexplicável inferioridade em relação ao mutuário que não pagasse uma prestação, na medida em que teria que pagar uma taxa, relativa a juros remuneratórios, actualizada no caso de crédito ao consumo – conforme o disposto no artigo 9º do Decreto Lei 359/91, de 21.09 – ou até que pagar os juros por inteiro, no casos gerais – conforme o disposto no artigo 1147º do Código Civil – quando se não pagasse uma prestação, não tinha que pagar qualquer juro remuneratório, de acordo com a tese do não vencimento dos juros em dívida.
Mas as situações são diferentes e por isso terão que ter tratamentos diferentes.
É que no cumprimento antecipado, o mutuante não pode opor-se a essa antecipação, que depende apenas da vontade do mutuário.
Ao contrário, o vencimento imediato das prestações por falta de pagamento de uma depende da vontade do mutuante, que pode ou não interpelar o mutuário para esse efeito, conforme acima ficou referido.
Ou seja, o mutuante não é obrigado a exigir imediatamente o pagamento de todas as prestações em dívida.
Pode fazer essa exigência apenas no fim do prazo do pagamento dessas prestações e, consequentemente, exigir então o pagamento não só do capital, como dos juros remuneratórios.
Se o mutuário impõe o vencimento antecipado, deve pagar os juros remuneratórios convencionados, embora eventualmente actualizados.
Se esse vencimento antecipado lhe é imposto pelo mutuante, através de interpelação, então não deve pagar esses juros.
Também do regime estabelecido naquele Decreto-lei 359/91 não resulta qualquer argumento contra a tese de que o vencimento de todas as prestações não abrange os juros remuneratórios.
É que – e no que respeita à matéria em questão – o referido Decreto Lei, veio introduzir no direito interno matéria das directivas 87/102/CEE, de 22 de Dezembro de 1986 e 90/88/CEE, de 22 de Fevereiro de 1990, que alterou a primeira, cujo objectivo é garantir ao consumidor uma informação completa e verdadeira sobre as condições do custo do crédito e sobre a as suas obrigações, nomeadamente, a taxa anual de encargos efectiva global (TAEG) ou o montante total que o consumidor tem que pagar pelo crédito, para que este possa ter uma correcta formação da vontade de contratar.
Destina-se, pois, o cálculo do custo total do crédito para o consumidor a que alude a alínea d) do nº1 do artigo 2º daquele Decreto Lei, bem como a indicação do valor total das prestações a que alude a alínea d) do nº3 do artigo 7º do mesmo Decreto Lei – em que estão incluídos também os juros remuneratórios – apenas e tão só a informar o consumidor daquele custo e deste montante, sem que daí se possa concluir que os juros remuneratórios faziam parte das prestações quer se venciam por falta de pagamento de uma delas.
Tendo em consideração que “na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” – nº3 do artigo 9º do Código Civil – não se entenderia que num diploma destinado a fornecer aos consumidores a informação atrás referida se pudesse regular a matéria da integração dos juros remuneratórias nas prestações em dívida.
De qualquer modo, mesmo que se entendesse que tal matéria estaria regulada naquele Decreto Lei, sempre a solução de que esses juros estavam integrados nas prestações em dívida pelo vencimento antecipado de todas não obteria eco nesse diploma, na medida em que se dispôs no nº3 do artigo 4º que o cálculo daquela TAEG “é efectuado no pressuposto de que o contrato de crédito vigorará pelo período de tempo acordado e de que as respectivas obrigações serão cumpridas nos prazos e datas convencionados”.
Ora, no caso do vencimento de todas as prestações por falta de pagamento de uma falha o pressuposto de o contrato vigorar pelo período de tempo acordado.
Pelo que não podíamos deixar de concluir que aqueles juros remuneratórios não faziam parte das prestações em dívida vencidas na sua totalidade pelo não pagamento de uma.
No sentido do que ficou exposto, a jurisprudência praticamente unânime deste Supremo, de que se citam os seguintes acórdãos:
- de 2 de Março de 2004 (Pires da Rosa) – in www.dgsi.pt
- de 7 de Outubro de 2004 (Faria Antunes) – in www.dgsi.pt
- de 19 de Abril de 2005 (Oliveira Barros) – in www.dgsi.pt
- de 7 de Março de 2006 (João Camilo) – in www.dgsi.pt
- de 12 de Setembro de 2006 (Sebastião Póvoas) – in www.dgsi.pt
- de 14 de Novembro de 2006 (Moreira Camilo) – in www.dgsi.pt
- de 6 de Fevereiro de 2007 (Alves Velho) – in www.dgsi.pt
- de 24 de Maio de 2007 (Silva Salazar) – in www.dgsi.pt
Na doutrina, Fernando de Gravato Morais “in” Contratos de Crédito ao Consumo, 2007, páginas 194 e seguintes.
Por tudo o que ficou dito e voltando ao caso em apreço, temos que concluir que a autora, por efeito do não pagamento pelo réu da 10ª prestação contratual que se venceu em 05.05.20 e da instauração desta acção, tem o direito de receber de imediato todo o capital mutuado, abatido o produto da venda da viatura, mas deixa de poder exigir, a partir dessa data, quaisquer juros remuneratórios sobre esse capital.
Acrescerá a esse montante o montante relativo a juros de mora, nos termos da sentença proferida na 1ª instância, a que aderiu o acórdão recorrido.
Não merecendo, assim, censura o acórdão recorrido.
A decisão
Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 6 de Março de 2008
Oliveira Vasconcelos (Relator)
Serra Baptista
Duarte Soares