Adaptação dos direitos reais

Luxemburgo
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Rede Judiciária Europeia (em Matéria Civil e Comercial)

1 Quais são os direitos reais que poderão resultar de uma sucessão regida pela lei deste Estado-Membro?

No direito luxemburguês, não existem direitos reais sucessórios específicos que, nessa aceção, possam advir de uma sucessão. Em contrapartida, existem direitos reais que podem ser objeto de sucessão, ou seja, que são suscetíveis de transmissão mortis causa.

Trata‑se dos direitos reais seguintes: a propriedade, na aceção dos artigos 544.º e seguintes do Código Civil, e as servidões ou serviços prediais, na aceção dos artigos 637.º e seguintes do mesmo código.

A propriedade, definida pelo artigo 544.º do Código Civil, é o direito de fruição e de disposição das coisas, desde que delas não se faça um uso proibido por lei ou regulamento, não se cause uma perturbação que exceda os inconvenientes normais de vizinhança, que rompa o equilíbrio entre direitos equivalentes. Nos termos do artigo 546.º do Código Civil, a propriedade de um bem, seja móvel ou imóvel, confere o direito a tudo o que esse bem produz e a tudo o que a ele acresça acessoriamente, quer natural quer artificialmente (direito de acessão). Dispõe o artigo 711.º do Código Civil que a propriedade dos bens se pode adquirir e transmitir por via sucessória.

Quanto às servidões, o artigo 637.º do Código Civil define‑as como um encargo imposto a um património para o uso e a utilidade de um património pertencente a outro proprietário. Dispõe o artigo 639.º do Código Civil que a servidão pode derivar da situação natural dos locais (artigos 640.º e seguintes do Código Civil), de imposições legais (artigo 649.º do Código Civil) e de acordos entre os proprietários (artigos 686.º e seguintes do Código Civil).

No que concerne à última categoria de servidões, os proprietários podem, em princípio, estabelecer nas suas propriedades ou a favor delas as servidões que entenderem, contanto que os serviços definidos não sejam impostos à pessoa nem a favor da pessoa, mas apenas a um fundo e para um fundo, e que tais serviços não sejam contrários à ordem pública (artigo 686.º, primeiro parágrafo, do Código Civil). Nos termos destas normas, as servidões são estabelecidas para a utilização de edifícios ou de terrenos (artigo 687.º, primeiro parágrafo), podem ser contínuas (para uso contínuo, não carecendo este de intervenção humana atual – por exemplo, passagem de condutas de água e esgotos, vistas, etc.) ou descontínuas (carecendo de intervenção humana atual para serem exercidas – por exemplo, direitos de passagem, extração de água de poços, etc.; artigo 688.º, primeiro parágrafo, do Código Civil).

Refira‑se que as servidões podem ser aparentes — assinaladas por obras exteriores — ou não — sem sinal exterior da sua existência (artigo 691.º, primeiro parágrafo, do Código Civil). As servidões contínuas e aparentes adquirem‑se por título, ou por posse durante trinta anos (artigo 690.º do Código Civil), as servidões contínuas não aparentes e as servidões descontínuas, aparentes ou não, só podem estabelecer‑se por título (artigo 691.º, primeiro parágrafo, do Código Civil). A servidão extingue‑se quando o fundo a que é devida e a dívida se reúnem na mesma mão (artigo 705.º do Código Civil).

Mais desenvolvidamente, refiram‑se os direitos reais seguintes, aos quais se aplicam normas específicas seguintes em caso de morte da pessoa a quem aproveitaram enquanto viva.

Dispõe o artigo 617.º do Código Civil que o usufruto se extingue, nomeadamente, por morte natural do usufrutuário e pela consolidação, ou pela reunião, na mesma pessoa dos estatutos de usufrutuário e de proprietário. Entre outros factos que causam a extinção do usufruto sob a segunda forma conta‑se a aquisição mortis causa pelo usufrutuário da propriedade do bem onerado pelo direito de usufruto. O conteúdo do usufruto é definido nos artigos 578.º e seguintes do Código Civil como o direito de gozar de uma coisa cuja propriedade pertence a outrem, como se fosse o proprietário, na condição de lhe não alterar a substância. O usufruto pode ser estabelecido por lei ou por vontade do proprietário, tanto condicional como incondicionalmente ou com prazo, e sobre qualquer espécie de bens móveis ou imóveis.

Por último, os direitos reais de uso e de habitação, definidos nos artigos 625.º e seguintes do Código Civil, perdem‑se da mesma forma que o usufruto.

2 Esses direitos reais estão inscritos num registo de bens móveis ou imóveis e, se assim for, o registo é obrigatório? Em que registo ou registos devem ser inscritos e quais as condições para proceder à devida inscrição nos registos?

No Grão‑Ducado, existe um «registo de propriedade imobiliária», ou seja, as conservatórias de hipotecas, nas quais são transcritos, nos termos do artigo 1.º da lei relativa à transcrição dos direitos reais sobre imóveis, de 25 de setembro de 1905, alterada, todos os atos inter vivos, a título gratuito ou oneroso, translativos de direitos reais sobre bens imóveis que não sejam privilégios nem hipotecas. Decorre do artigo 11.º da citada lei que a transcrição desses atos é condição sine qua non da sua oponibilidade a terceiros. Segundo a jurisprudência luxemburguesa, a expressão «direitos reais sobre imóveis», constante do artigo 1.º da mesma lei inclui as servidões reais (Tribunal de Comarca de Diekirch, 17 de fevereiro de 1937).

Refira‑se ainda que apenas as decisões judiciais, os atos autênticos e os atos administrativos podem ser transcritos.

Na sucessão, a transferência dos direitos reais mencionados no ponto 1 suscetíveis de se integrarem numa herança opera‑se nos termos do Código Civil.

Mais precisamente, dispõe o artigo 724.º, primeiro e segundo parágrafos, que todos os bens do falecido são transmitidos aos seus herdeiros legais por mero efeito da abertura da sucessão. Os herdeiros podem, desde o momento da morte, exercer os direitos do falecido e prosseguir as ações por este intentadas.

No caso previsto pelo artigo 1004.º do Código Civil, — ou seja, a pessoa à qual o testador dá, por disposição testamentária, a universalidade dos bens que deixará à data da sua morte (cf. artigo 1003.º do Código Civil) — o legatário universal está obrigado a pedir a entrega dos bens compreendidos no testamento aos herdeiros aos quais está reservada por lei uma parte dos bens sucessórios. Nos termos do artigo 1005.º do Código Civil, se o pedido de entrega tiver sido formulado no ano do falecimento, o legatário universal tem o gozo dos bens compreendidos no testamento a contar da data do falecimento; caso contrário, a fruição só terá início na data do pedido apresentado em juízo, ou da data em que a entrega foi efetuada voluntariamente. Se, à data da morte do testador, não houver herdeiros aos quais esteja reservada por lei uma percentagem dos seus bens, a totalidade dos bens transmite‑se de pleno direito ao legatário universal por morte do testador, não tendo aquele de pedir a sua entrega (artigo 1006.º do Código Civil). Por último, no caso previsto pelo artigo 1006.º do Código Civil, se o testamento for ológrafo ou místico, a posse pelo legatário universal carecerá de despacho do presidente do tribunal de primeira instância da comarca onde a sucessão se abre.

Se houver um ou mais imóveis na sucessão, a transmissão da sua propriedade mortis causa carece de registo, o qual se efetua com base na declaração de sucessão, a apresentar pelos herdeiros à administration de l’enregistrement et des domaines, que dela enviará um extrato à administration du cadastre et de la topographie (cf. artigo 10.º, in fine, da lei relativa à reorganização da administração do cadastro e a topografia, de 25 de julho de 2002, alterada).

3 Quais os efeitos associados ao registo dos direitos reais?

Ver resposta à pergunta anterior.

4 Existem regras e procedimentos especiais para a adaptação de um direito real que assista a uma pessoa nos termos da lei aplicável à sucessão quando a legislação do Estado Membro em que o direito for invocado não reconhecer o direito real em causa?

Sim; trata‑se das disposições da Lei de 14 de junho de 2015 relativa à aplicação do Regulamento (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, que altera a lei de 25 de setembro de 1905 relativa à transcrição dos direitos reais sobre imóveis, alterada, e estabelece o Código de Processo Civil.

Essa lei dispõe, no seu artigo 1.º, o seguinte: «Em aplicação do Regulamento (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, os notários nomeados por decreto grão‑ducal são competentes para proceder à adaptação dos direitos reais sobre imóveis a que se refere o artigo 31.º do citado regulamento. A adaptação referida no n.º 1 deve ser feita, o mais tardar, no momento em que o bem imóvel sobre o qual incide o direito real a que se refere o artigo 31.º do Regulamento (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, seja objeto de uma transferência em vida, a título gratuito ou oneroso».

Por outro lado, a mesma lei altera o artigo 1.º, segundo parágrafo, da lei de 25 de setembro de 1905 relativa à transcrição dos direitos reais sobre imóveis, alterada, acrescentando os atos notariais que adaptam direitos reais sobre imóveis estrangeiros aos atos translativos de direitos reais sobre imóveis aí especificados que devem ser transcritos para os registos da conservatória de hipotecas relativas ao lugar em que os bens se situam.

Última atualização: 03/11/2020

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