No domínio da justiça civil, os processos e procedimentos pendentes que tiverem tido início antes do final do período de transição continuarão a ser regidos pelo direito da UE. O Portal da Justiça, com base num acordo mútuo com o Reino Unido, manterá as informações relacionadas com este país até ao final de 2024.

Qual a lei nacional aplicável?

Inglaterra e País de Gales
Conteúdo fornecido por
European Judicial Network
Rede Judiciária Europeia (em Matéria Civil e Comercial)

1 Fontes do direito positivo

1.1 Direito interno

As normas de conflitos de leis em Inglaterra e no País de Gales em matéria da lei aplicável atualmente têm origem, principalmente, nos regulamentos da UE diretamente aplicáveis. No que se refere a questões de direito civil e comercial, esses regulamentos são os seguintes: o Regulamento (CE) n.º 593/2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) e o Regulamento (CE) n.º 864/2007 relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II). A Lei dos Contratos (lei aplicável) de 1990 (que deu execução à Convenção de Roma de 1980) continua a ser relevante para os contratos celebrados antes de 17 de dezembro de 2009 (o Regulamento Roma I é aplicável aos contratos celebrados nessa data ou após). A Lei relativa ao Direito Internacional Privado de 1995 (disposições diversas) só é relevante para as situações não abrangidas pelo Regulamento Roma II (o regulamento é aplicável aos casos em que os danos ocorreram após 11 de janeiro de 2009). As regras tradicionais de direito consuetudinário continuam a ser aplicáveis ao ilícito de difamação e no que se refere ao direito das sucessões e de propriedade.

No domínio do direito da família, geralmente é o direito consuetudinário que está na origem das normas sobre a lei aplicável, com ressalva de algumas exceções. No que se refere a questões no âmbito do direito da família, geralmente é aplicado o direito inglês, com ressalva de um número limitado de exceções previstas no direito consuetudinário (por exemplo, em relação à anulação do casamento) ou na lei [por exemplo, em relação aos alimentos nos termos da Lei Aplicável às Decisões em Matéria de Obrigações Alimentares de 1920 (mecanismos de execução) e da Lei Aplicável às Decisões em matéria de Obrigações Alimentares de 1972 (execução recíproca)]. No que se refere a questões de responsabilidade parental e medidas de proteção das crianças abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 2201/2003 e pela Convenção da Haia de 19 de outubro de 1996, são os regulamentos de 2012 relativos à responsabilidade parental e às medidas de proteção das crianças [obrigações internacionais (Inglaterra e País de Gales e Irlanda do Norte)], bem como o artigo 15.º da Convenção de 1996, que contêm as regras relativas à lei aplicável, respetivamente, determinam que o direito inglês é aplicável, com ressalva de um número limitado de exceções.

1.2 Convenções internacionais multilaterais

Convenção da Haia, de 1961, sobre os conflitos de Leis em Matéria de Forma das Disposições Testamentárias.

Convenção de Roma, de 1980, sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais (substituída pelo Regulamento Roma I no que se refere aos contratos celebrados em 17 de dezembro de 2009 ou após).

Convenção da Haia, de 1 de julho de 1985, relativa à Lei Aplicável ao Fideicomisso e ao seu Reconhecimento.

1.3 Principais convenções bilaterais

Não temos conhecimento de quaisquer convenções bilaterais que incluam normas de conflitos de leis de que o Reino Unido faça parte.

No entanto, note-se que, embora a Convenção de Roma de 1980 e as Convenções da Haia permitam a um Estado aplicar um outro regime de conflito de leis aos conflitos «internos» – como os conflitos entre o direito da Inglaterra e do País de Gales e da Escócia –, o Reino Unido optou por não recorrer a esta possibilidade. Assim, a Convenção de Roma (aplicável aos contratos celebrados antes de 17 de dezembro de 2009) e as normas da Convenção da Haia são aplicáveis a conflitos entre as diferentes jurisdições do Reino Unido, bem como a conflitos internacionais.

2 Aplicação das normas de conflitos de leis

2.1 Aplicação oficiosa das normas de conflitos de leis

A posição geral é a de que as normas de conflitos de leis apenas são aplicadas se, pelo menos, uma das partes as invocar. Se tal aplicação não for invocada, ou se não forem apresentados elementos de prova suficientes do conteúdo da lei estrangeira, normalmente o juiz aplicará as disposições do direito inglês. Esta regra diz respeito aos elementos de prova e ao processo, pelo que não é afetada pelos regulamentos da UE.

2.2 Reenvio

Os regulamentos da UE excluem a aplicação da doutrina do reenvio em casos regulados pelas normas de conflitos de leis da UE, sendo esta igualmente a opinião predominante ao abrigo da Lei relativa ao Direito Internacional Privado de 1995 (disposições diversas) e da Lei dos Contratos (lei aplicável) de 1990. Assim, se a norma inglesa de conflitos de leis aplicável a um ilícito de negligência remeter para o direito francês, o direito interno francês será aplicado, mesmo que um tribunal francês tivesse aplicado as disposições do direito de outro país. Uma justificação apresentada para a rejeição do reenvio nestes domínios parece ser a de que as regras complexas estabelecidas pelas leis seriam contrariadas se o reenvio fosse aplicado.

Atualmente, o papel do reenvio nos restantes domínios do direito é algo limitado, não sendo, em alguns casos, totalmente claro. Pode dizer-se que o reenvio será aplicável no caso de terrenos situados no estrangeiro, aos quais a lei da situação da coisa (lex situs) é aplicada pelo direito inglês. Nesses casos, existe um desejo pragmático de aplicar a mesma lei do tribunal em cuja jurisdição está situado o bem imóvel, para aumentar a probabilidade de que qualquer decisão inglesa relativa ao bem imóvel seja eficaz. O equilíbrio das decisões do Tribunal de Primeira Instância no que diz respeito a bens móveis corpóreos situados no estrangeiro consiste no facto de uma referência à lei da situação da coisa (lex situs) não incluir o reenvio.

No que se refere a questões no âmbito do direito da família, existe alguma jurisprudência limitada segundo a qual a doutrina do reenvio pode aplicar-se em determinadas circunstâncias, mas a questão surge muito raramente uma vez que, geralmente, se aplicam as disposições do direito inglês a questões no âmbito do direito da família.

No entanto, note-se que, em muitos casos, fazer prova do conteúdo das normas de conflitos de leis estrangeiras é dispendioso, pelo que as partes optam, frequentemente, por não defender a sua aplicação (ver o ponto 2.1 acima).

2.3 Alteração do fator de conexão

Nestes casos, especifica-se, em cada norma de conflito de leis, o momento relevante em que o elemento de conexão é determinado. Por exemplo, no caso de transferências de bens móveis, a lei aplicável pertinente é a lei aplicável no local do bem móvel em questão no momento da transferência.

2.4 Exceções à aplicação normal das normas de conflitos

Segundo as regras tradicionais, os tribunais ingleses podem recusar-se a aplicar uma lei estrangeira que seja contrária à ordem pública inglesa. No entanto, o limiar é muito elevado: por exemplo, caso conduza a um resultado totalmente alheio aos requisitos fundamentais da justiça, tal como administrada por um tribunal inglês. O conteúdo da ordem pública inglesa é influenciado pelas obrigações internacionais do Reino Unido, em particular pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos; as violações dos direitos humanos constituem um exemplo bem conhecido da exceção de ordem pública, constituindo outro exemplo os casos em que a lei constitui uma flagrante violação das normas fundamentais do direito internacional (por exemplo, a invasão do Koweit pelo Iraque em 1990).

Além disso, atualmente os Regulamentos Roma I e Roma II preveem a aplicação das disposições imperativas do foro, independentemente da lei que de outro modo seria aplicável ao contrato. Geralmente, as normas existentes constam dos domínios relacionados com os consumidores e o emprego ou da legislação que complementa uma convenção internacional.

2.5 Prova do direito estrangeiro

O conteúdo da lei estrangeira é provado como se fosse um facto. Como tal, cabe às partes provar o conteúdo da lei estrangeira; os juízes não estão autorizados a investigar, por si próprios, o conteúdo da lei estrangeira. Em caso de conflito entre as provas apresentadas pelas partes, o juiz pode avaliar a credibilidade dos peritos e está autorizado a considerar a prova primária (por exemplo, leis e processos estrangeiros), especialmente quando esta se encontra redigida em língua inglesa e aplica conceitos que são familiares para um juiz inglês.

Normalmente, o conteúdo da lei estrangeira é provado através de provas periciais. Não basta apresentar o texto de uma lei, processo ou autoridade estrangeira perante o tribunal. As provas periciais relativas à lei estrangeira podem ser apresentadas por qualquer pessoa devidamente qualificada para tal, em virtude dos seus conhecimentos ou experiência, independentemente de estar ou não habilitada a agir na qualidade de profissional da justiça na jurisdição pertinente. No entanto, é habitual que os peritos sejam académicos ou profissionais habilitados na jurisdição em questão. Se o conteúdo da lei estrangeira tiver sido determinado num processo inglês anterior, este processo poderá ser invocado como prova do conteúdo da lei estrangeira, e presumir-se-á que o conteúdo da lei estrangeira é o mesmo determinado nesse processo, salvo prova em contrário.

O ónus da prova incumbe à parte que invoca a lei estrangeira. Se a lei estrangeira não for provada de forma juridicamente bastante, a regra geral é a de que serão aplicadas as disposições do direito inglês. No entanto, nos casos em que não existam motivos para pensar que a lei estrangeira se assemelha, de alguma forma, à lei inglesa (por exemplo, uma lei fiscal de outra jurisdição europeia), o processo pode ser arquivado.

3 Normas de conflitos de leis

3.1 Obrigações contratuais e atos jurídicos

Em todos os processos relativos a obrigações contratuais que envolvam um conflito de leis, o Regulamento Roma I é diretamente aplicável. As normas de conflitos de leis constantes do Regulamento Roma podem igualmente aplicar-se a casos que o direito interno inglês não reconheceria como contratuais (por exemplo, nos casos em que o contrato não é apoiado por uma compensação, por exemplo, contratos de doação).

As questões processuais são determinadas pela lei do foro (lex fori). Assim, a avaliação do nível de danos (mas não das causas dos danos) e os meios de prova são regulados pela lei do foro. Os prazos de prescrição são substantivos, pelo que, no caso de obrigações contratuais, são determinados pela lei aplicável nos termos do regulamento em causa. As normas materiais de base são as que a seguir se apresentam.

Nos casos em que as partes tenham escolhido expressamente a lei aplicável, ou em que esta escolha seja demonstrada com um grau de certeza razoável, aplicar-se-á esta lei. Uma escolha é suscetível de ser demonstrada com um grau de certeza razoável quando o contrato revestir a forma de um contrato-tipo que se sabe ser regido por uma lei específica (por exemplo, uma apólice de seguro marítimo do Lloyd's), ou à luz de acordos anteriores celebrados entre as partes. Quando existe um acordo de eleição do foro, este é frequentemente suficiente para inferir que a lei desse tribunal se destinava a ser escolhida, embora nem sempre seja esse o caso. No caso de uma convenção de arbitragem, se os critérios de seleção dos árbitros forem especificados, tal permitirá inferir mais facilmente uma escolha da lei, mas se os árbitros forem identificados por referência a algum organismo internacional, então é muito menos provável que a escolha tenha sido demonstrada com um grau de certeza razoável.

A liberdade de escolha é circunscrita em vários aspetos. Em primeiro lugar, nos contratos de consumo e de trabalho, a escolha da lei não pode privar o consumidor ou o trabalhador da proteção das normas imperativas existentes ao abrigo da lei que, se não tivesse sido feita uma escolha expressa da lei, teria sido aplicada ao caso. Em segundo lugar, quando todos os elementos da situação estão ligados a um país, a escolha de uma lei diferente não pode privar as normas imperativas desse país de efeito útil. Existem igualmente regras de proteção dos consumidores em relação aos contratos de seguros. Poderá salientar-se igualmente que, em caso de desacordo em relação à eficácia da escolha – por exemplo, uma alegação de coação –, a questão de saber se tal escolha foi eficaz é determinada pela suposta lei aplicável (isto é, pela lei que regeria o contrato se a escolha fosse válida), a menos que tal «não fosse razoável» (caso em que poderia ser aplicada a lei da residência habitual da parte que alega não ter dado o seu consentimento).

Nos casos em que não tenha sido feita uma escolha expressa da lei, ou em que esta escolha não seja demonstrada com um grau de certeza razoável, o Regulamento Roma I prevê regras específicas dependendo do tipo de contrato, mas se estas regras forem inconclusivas, geralmente a lei aplicável será a da residência habitual do prestador característico. O prestador característico nem sempre é fácil de identificar, mas normalmente é a parte que não procede ao pagamento do bem ou serviço (por exemplo, o prestador característico é o vendedor de um produto, o credor numa operação bancária, o fiador num contrato de garantia). Esta presunção pode ser refutada a favor de um país com o qual o contrato esteja mais estreitamente ligado.

3.2 Obrigações não contratuais

No que se refere às obrigações extracontratuais, na maioria dos casos será aplicável o Regulamento Roma II. A Lei relativa ao Direito Internacional Privado de 1995 (disposições diversas) só se aplicará a questões relacionadas com a responsabilidade fundada em ato ilícito que não sejam abrangidas pelo referido regulamento, continuando a difamação a ser regida pelo direito consuetudinário (ver abaixo). Os prazos de prescrição são igualmente determinados pela lei aplicável.

Nos termos do Regulamento Roma II, a regra geral consiste em aplicar a lei do local onde ocorre o dano. Regras especiais determinam a lei aplicável a determinados tipos de obrigações extracontratuais, incluindo a responsabilidade por produtos defeituosos, a concorrência desleal, os ilícitos ambientais e os ilícitos relativos aos direitos de propriedade intelectual. O referido regulamento permite igualmente às partes escolher a lei aplicável em determinadas circunstâncias, mas esta disposição não pode ser utilizada para evitar normas imperativas de direito nacional ou da UE. Note-se que a avaliação dos danos compete à lei aplicável.

Tal como acima referido, a difamação [que inclui declarações difamatórias ou depreciativas que afetem os direitos de propriedade de uma pessoa ou os seus bens, falsidade dolosa e qualquer reivindicação de lei estrangeira correspondente ou não à natureza de (tal) reivindicação] continua a ser regida pelo direito consuetudinário. Nesses casos, aplica-se a «regra da dupla punibilidade»: um ilícito apenas é punível em Inglaterra e no País de Gales se for civilmente punível nos termos da lei estrangeira da jurisdição em que o ato foi cometido (geralmente, publicação) e, se o ato tivesse sido cometido em Inglaterra e no País de Gales, seria civilmente punível nos termos da lei inglesa. Esta regra foi mantida após pressões de organizações de meios de comunicação social receosas da aplicação de leis estrangeiras opressivas. No entanto, esta regra está sujeita a uma exceção: quando outro país tiver uma relação mais significativa com a ocorrência e as partes, será aplicada a lei dessa jurisdição. Note-se que esta área é particularmente incerta.

No que respeita à administração de fideicomissos, a lei aplicável é regida pela Lei relativa ao Reconhecimento de Fideicomissos de 1987, que dá execução à Convenção da Haia relativa à lei aplicável ao fideicomisso. Esta prevê que a lei aplicável é a escolhida pelo fundador ou, na ausência de tal escolha, pela lei à qual o fideicomisso está mais estreitamente ligado. Esta lei determina a validade do fideicomisso, a sua criação, os seus efeitos e a respetiva administração.

3.3 Estatuto pessoal, aspetos relativos ao estado civil (nome, domicílio, capacidade)

À nascença, o domicílio de uma pessoa (o domicílio de origem) corresponde ao domicílio do pai da criança aquando do nascimento da criança, se a criança for legítima. Se a criança for ilegítima, ou tiver nascido após a morte do pai, o domicílio da criança corresponde ao domicílio da mãe da criança. Esta regra continuará a aplicar-se até a criança ter 16 anos (isto é, o domicílio da criança altera-se se o domicílio do pai ou da mãe se alterar, respetivamente).

No que se refere às pessoas com idade superior a 16 anos, o domicílio de origem continua a aplicar-se, a menos que adotem um domicílio eletivo. Para adotarem um domicílio eletivo, devem residir efetivamente na jurisdição em causa e tencionar aí residir indefinida ou permanentemente. Se qualquer destes elementos deixar de se verificar, o domicílio eletivo deixará de se aplicar e aplicar-se-á o domicílio de origem.

O domicílio de uma mulher casada já não é determinado por referência ao do seu marido: é avaliado de forma independente.

A capacidade de assumir obrigações específicas (por exemplo, celebrar contratos, fazer um testamento, casar) é determinada por normas específicas aplicáveis a esse domínio, que são abordadas nas secções pertinentes.

3.4 Estabelecimento da filiação, incluindo a adoção

Geralmente, a responsabilidade parental e as medidas de proteção das crianças são determinadas pelo direito inglês, com ressalva de um número limitado de exceções, como as (abordadas acima) aplicáveis às questões relativas à Convenção da Haia de 1996 e as questões abrangidas pelo Regulamento Bruxelas II-A. Geralmente, as questões de legitimidade e de adoção são igualmente determinadas pelo direito inglês, com ressalva de determinadas exceções.

3.5 Casamento, união de facto, divórcio, separação judicial e obrigação de alimentos

A validade formal de um casamento é geralmente regida pela lei do local de celebração do casamento, com ressalva de determinadas exceções.

Geralmente, a capacidade das pessoas para casar é determinada pelo domicílio da pessoa em causa no momento imediatamente anterior ao casamento. Esta lei regula questões como a de saber se as partes deram o seu consentimento, os requisitos de idade e com que pessoas, no seio da família alargada, não é possível casar. No caso especial da idade, nenhum casamento será válido se a idade de qualquer dos participantes for inferior a 16 anos no momento da celebração, se estiverem domiciliados em Inglaterra e no País de Gales.

Em matéria de divórcio ou separação, geralmente será aplicado o direito inglês, com ressalva de um número limitado de exceções.

No que diz respeito às obrigações alimentares, geralmente aplica-se o direito inglês, com ressalva de determinadas exceções.

3.6 Regimes matrimoniais

O «regime matrimonial» não é um conceito geralmente conhecido no direito consuetudinário. Em matéria de disposições financeiras em caso de divórcio, separação ou anulação ou em matéria de alimentos, os tribunais ingleses aplicarão geralmente o direito inglês, com ressalva de um número limitado de exceções.

3.7 Testamento e sucessões

Nos casos de sucessão legítima (isto é, em que não existe testamento), à sucessão dos bens móveis aplica-se a lei do domicílio do testador no momento da morte; à sucessão dos bens imóveis aplica-se a lei da jurisdição na qual se situam os bens (lex situs).

Nos casos que envolvam testamentos (sucessão testamentária), a capacidade do testador para fazer o testamento de bens móveis é determinada pela lei do domicílio do testador à data da elaboração do testamento. O legatário tem capacidade para receber bens móveis se tiver essa capacidade ao abrigo da lei do seu próprio domicílio ou da lei do domicílio do testador. Não existe uma autoridade específica no que se refere à posição relativamente aos bens imóveis, mas a lei da situação da coisa (lex situs) seria a mais provável, determinando provavelmente também a capacidade do legatário para aceitar um legado de bens imóveis.

Nos termos da Lei dos Testamentos de 1963, e quando o testador tenha falecido em 1 de janeiro de 1964 ou após essa data, um testamento é formalmente válido (por exemplo, número correto de testemunhas) se cumprir qualquer uma das seguintes leis: a lei do local onde o testamento foi elaborado (isto é, normalmente, onde foi assinado e testemunhado) no momento da elaboração; a lei do domicílio, residência habitual ou nacionalidade do testador no momento em que o testamento foi elaborado; a lei do domicílio, residência habitual ou nacionalidade do testador no momento do falecimento. Um testamento também será formalmente válido para transmitir bens imóveis se estiver em conformidade com o direito interno da jurisdição na qual o bem estiver situado (excluindo assim a aplicação do reenvio apesar de se tratar de bens imóveis).

Um testamento de bens móveis é substancialmente válido (por exemplo, limites ao montante que se pode deixar em testamento), se cumprir a lei do domicílio do testador no momento do falecimento; Um testamento de bens imóveis é substancialmente válido se cumprir a lei da jurisdição na qual o bem esteja localizado, isto é, qualquer que seja o regime de direito interno que a lei da situação da coisa (lex situs) aplicaria.

Um testamento é interpretado pela lei pretendida pelo testador, que se presume ser a lei do seu domicílio à data da elaboração do testamento. Esta presunção é uma norma prima facie que pode ser substituída pela apresentação de elementos de prova de que o testador contemplou manifestamente e pretendeu que o seu testamento fosse interpretado nos termos de outro regime jurídico. Em relação aos bens imóveis, pode existir uma limitação adicional, segundo a qual se o interesse que resulte de tal interpretação não for permitido ou não for reconhecido pela lei da situação da coisa (lex situs), prevalecerá esta última lei.

A validade de uma alegada revogação de um testamento é determinada pela lei do domicílio do testador no momento da alegada revogação (note-se que, nos termos do direito interno inglês, caso tal seja aplicável, o casamento revoga um testamento, a menos que se demonstre que o testamento foi expressamente feito contemplando o casamento). No entanto, se a revogação for alegadamente efetuada por um testamento posterior (em oposição, por exemplo, à destruição do testamento), a questão de saber se este segundo testamento revoga o anterior é determinada pelas leis aplicáveis à validade formal do segundo testamento. Se não for claro se um segundo testamento revoga um testamento anterior, a questão da interpretação será determinada pela lei pretendida pelo testador, que se presume ser a lei do seu domicílio à data da elaboração do segundo testamento.

3.8 Direitos reais

Os casos relativos a bens dividem-se em bens móveis e imóveis; Compete à lei do local onde o bem está situado determinar se se trata de um bem móvel ou imóvel.

No caso de bens imóveis, a lei aplicável é a lei do local onde o imóvel está situado, aplicando‑se o reenvio. Tal aplica-se a todas as questões relativas à operação, incluindo a capacidade, as formalidades e a validade substancial. Note-se que existe, naturalmente, uma distinção entre a transmissão de terrenos ou de outros bens imóveis e o contrato que rege os direitos e as responsabilidades das partes nessa transmissão – este último é regido por normas distintas relativas à lei aplicável (em particular, ao abrigo do Regulamento Roma I).

No caso de questões patrimoniais (em oposição a questões contratuais) relativas à transmissão de bens móveis corpóreos, em geral a lei aplicável é a do local onde o bem estava situado no momento do acontecimento que teria, alegadamente, atribuído a titularidade do direito de propriedade sobre o mesmo. Não é claro se o reenvio se aplica nesta situação, e o efeito global das decisões de primeira instância proferidas pelos tribunais ingleses sugere que não se aplica. Um título de propriedade sobre bens móveis corpóreos adquirido em conformidade com esta regra geral será reconhecido como válido em Inglaterra, se o bem móvel for então retirado do país onde estava situado no momento da aquisição do título de propriedade, a menos e até que esse título de propriedade seja substituído por um novo título de propriedade, adquirido nos termos da lei do país para o qual o bem foi transferido. Uma exceção específica à regra geral em matéria de bens móveis corpóreos diz respeito aos casos em que o bem móvel corpóreo está em trânsito e a sua localização não é conhecida das partes, ou é temporária, casos em que uma transferência que seja válida nos termos da lei aplicável à transferência será efetiva em Inglaterra.

No caso da cessão de bens móveis corpóreos, em que a relação entre o cedente e o cessionário é contratual (como no caso da maioria das dívidas) e a questão diz apenas respeito à validade e ao efeito da própria cessão, é aplicável o Regulamento Roma I.

Note-se que as normas de conflitos de leis em matéria de cessão e transmissão de bens incorpóreos são difíceis de resumir e que nenhuma norma de conflito de leis as abrange, principalmente porque a categoria de bens incorpóreos inclui um leque muito vasto de direitos, nem todos de origem contratual. Sugere-se que se procure aconselhamento especializado no caso de bens móveis incorpóreos.

3.9 Insolvência

O Reino Unido está vinculado pelo Regulamento (CE) n.º 1346/2000 do Conselho relativo aos processos de insolvência, que estabelece as normas aplicáveis aos processos que determinem a inibição total ou parcial do devedor da administração ou disposição de bens e a designação de um síndico, quando os interesses principais do devedor se situem num Estado-Membro da UE (que não a Dinamarca). Se os tribunais ingleses forem competentes (o que sucederá se o centro dos interesses principais do devedor se situar em Inglaterra e no País de Gales, presumivelmente o local da sede), será aplicada a lei inglesa.

Nos casos não abrangidos pelo Regulamento (CE) n.º 1346/2000, será aplicada a lei inglesa sempre que os tribunais ingleses sejam competentes (o que sucederá se a empresa estiver registada em Inglaterra e no País de Gales, ou se houver pessoas em Inglaterra e no País de Gales que beneficiariam da liquidação e não existirem motivos válidos para o tribunal se declarar incompetente). Uma liquidação de dívidas inglesa é válida, independentemente da lei que rege a dívida.

Última atualização: 04/06/2021

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