A. Sou cidadão estrangeiro: esse facto afeta o inquérito?
Para além dos direitos de tradução e de interpretação que assistem aos estrangeiros que não conheçam ou dominem a língua portuguesa, o facto de ser cidadão estrangeiro não afeta o inquérito.
B. Quais são as etapas de uma investigação?
i. Fase de recolha de elementos de prova/poderes dos investigadores
Feita a denúncia ou queixa, é aberto um processo de inquérito, iniciando-se a investigação. A investigação criminal compreende o conjunto de diligências que se destinam a averiguar a existência de um crime, determinar quem o praticou e a respetiva responsabilidade, e descobrir e recolher as provas, no âmbito do processo.
Esta primeira fase do processo, chamada fase de inquérito, é realizada por um órgão de polícia criminal (OPC), sob a direção do Ministério Público (MP).
Durante esta fase, os agentes policiais encarregues da investigação irão recolher provas, como por exemplo:
- ouvir a vítima, o arguido e as testemunhas;
- examinar o local do crime em busca de vestígios;
- proceder a reconhecimentos pessoais ou fotográficos, i.e., pedir à vítima ou a uma testemunha a descrição pormenorizada da pessoa que praticou o crime, perguntar-lhe se já a tinha visto antes e em que condições e, eventualmente, mostrar-lhe alguém ou a fotografia de alguém num conjunto de outras pessoas ou de outras fotos, para verificar se aquela o/a reconhece como sendo a pessoa que praticou o crime;
- obter o parecer de peritos: por exemplo, um perito em balística que analisa a trajetória da bala, ou um psicólogo que avalia a personalidade do suspeito, ou um médico que avalia o dano corporal, etc;
- solicitar documentos que possam ser relevantes: por exemplo, relatórios da unidade local de saúde em que a vítima foi assistida, ou listas de chamadas telefónicas efetuadas pelo suspeito, etc.
A fase de inquérito pode durar entre algumas semanas e vários meses, dependendo da quantidade de prova a recolher e da complexidade da investigação.
ii. Detenção policial
A detenção traduz-se na privação da liberdade de uma pessoa por um período máximo de 48 horas, com as seguintes finalidades: o detido ser submetido a julgamento ou ser presente ao juiz competente para interrogatório judicial ou aplicação de uma medida de coação; ou para assegurar a presença imediata do detido perante o juiz em ato processual.
iii. Interrogatório
O primeiro interrogatório judicial do arguido detido visa revelar ao detido os motivos da sua detenção, ouvir as razões do detido e colocar o juiz em posição de decidir se os motivos que determinaram a detenção ainda subsistem em face das razões do detido e se justificam uma medida de coação (além do termo de identidade e residência).
iv. Prisão preventiva
Só se se verificar, no momento da sua aplicação, algum dos pressupostos das alíneas seguintes é legalmente admissível a aplicação da prisão preventiva:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Trata-se da mais grave das medidas de coação aplicáveis ao suspeito da prática de crime, só sendo aplicável quando forem inadequadas ou insuficientes todas as outras medidas de coação.
C. Que direitos tenho durante a investigação?
i. Tenho direito a ser assistido/a por um intérprete e a obter traduções?
Sim. Caso não conheça ou domine a língua portuguesa pode escolher intérprete idóneo. A nomeação e assistência de intérprete abrange a tradução dos atos processuais em que intervenha a pessoa, bem como do conteúdo essencial das peças processuais que o mesmo tenha direito a conhecer. A nomeação de intérprete não constitui encargo da pessoa ou do arguido, mesmo em caso de condenação deste.
ii. Tenho direito a aceder às informações e ao processo?
A constituição de arguido inclui a comunicação ao interessado dos seus direitos e deveres processuais e, se necessário, a explicação desses direitos e deveres. Ser-lhe-á entregue um documento de que conste a identificação do processo e do defensor, se este tiver sido nomeado. Antes de prestar qualquer declaração, assiste-lhe o direito de ser informado pelo Ministério Público, pelo órgão de polícia criminal e pelo juiz de instrução sobre os factos que lhe são imputados.
Se o arguido se encontrar detido, quando é presente ao juiz de instrução para interrogatório deve ser informado do seguinte:
- os motivos da detenção;
- os factos que lhe são imputados (e, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e prática do crime);
- a prova da prática dos factos imputados (desde que a sua comunicação não ponha em causa a investigação e não crie perigo para as partes no processo ou para as vítimas do crime).
Durante o inquérito, ser-lhe-á facultado o acesso às informações disponíveis no processo, desde que não se imponha o segredo de justiça e que a identidade das testemunhas não esteja sujeita a proteção especial. Uma vez decorrido o prazo de duração máxima do inquérito (ou se este tiver sido encerrado), ser-lhe-á permitido consultar todos os documentos constantes do processo. As únicas exceções são os casos de crimes de terrorismo ou de criminalidade violenta ou altamente organizada, em que o juiz de instrução pode manter o segredo de justiça até três meses adicionais, renováveis apenas uma vez.
iii. Tenho direito a um advogado e a informar um terceiro da minha situação?
Sim.Pode constituir advogado ou requerer a nomeação de um defensor.
Se estiver detido ou em prisão preventiva, tem o direito de contactar familiar ou pessoa da sua confiança, assim como embaixada ou consulado.
iv. Tenho direito a apoio judiciário?
Uma das modalidades de apoio judiciário previstas na Lei n.º 34/2004, de 29 de julho consiste na nomeação e pagamento dos honorários de um advogado ou defensor oficioso. Para este efeito, é avaliada a capacidade financeira do arguido tendo em conta critérios estabelecidos na lei e, em especial, de acordo com o rendimento médio mensal do seu agregado familiar.
Para verificar se tem direito ou não à proteção jurídica, encontra-se disponível um simulador que pode ser consultado aqui. Se o requerimento de apoio judiciário for indeferido, o arguido pode interpor recurso judicial.
A Segurança Social é a entidade responsável pelo procedimento de concessão de apoio judiciário.
v. Quais são as informações importantes no que respeita ao seguinte:
a. Presunção de inocência
Trata-se de um princípio constitucional e uma norma fundamental do direito penal português. Significa que toda a pessoa é considerada inocente até ter sido condenada por sentença transitada em julgado. Deste princípio decorrem diversos direitos e garantias, designadamente:
- O tribunal só pode condenar uma pessoa pela prática de um crime se ficar provado, pelo grau de prova mais exigente, que ela o cometeu. A presunção obriga o juiz a decidir a favor do arguido sempre que, depois de examinadas todas as provas, subsista no seu espírito uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos que respeitam à culpabilidade do arguido ou à gravidade da mesma.
- O arguido tem um vasto leque de direitos que usualmente se agrupam num «amplo direito de defesa»: estar presente nos atos processuais que lhe dizem diretamente respeito; ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que o afete pessoalmente; ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações; não responder a perguntas feitas sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar (direito ao silêncio); constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor e ser assistido por ele em todos os atos processuais em que participar; recorrer das decisões que lhe forem desfavoráveis, etc.
- Por fim, o arguido tem o direito de aguardar em liberdade o resultado dos recursos ordinários que haja interposto, mesmo depois de condenado em prisão efetiva por tribunais de grau inferior, sem prejuízo das medidas de coação que sejam aplicadas em face do perigo de fuga ou da verificação de outros dos seus requisitos (por exemplo, a prisão preventiva).
b. Direito a guardar silêncio e a não se autoincriminar
O direito ao silêncio (que não pode ser interpretado como presunção de culpa, atendo o princípio da presunção de inocência) constitui um dos direitos do arguido. Sem prejuízo deste direito, é obrigatório responder com verdade às perguntas sobre a sua identidade. Se for interrogado por qualquer autoridade sobre os factos que lhe são imputados, o arguido tem o direito de permanecer em silêncio. O seu silêncio não pode ser valorado contra si.
c. Ónus da prova
Uma das implicações do princípio da presunção de inocência diz respeito ao ónus da prova que, no caso do processo criminal, recai sobre a acusação, i.e., o Ministério Público.
vi. Em que consistem as garantias específicas para as crianças?
A lei processual criminal portuguesa consagra várias normas que têm em conta as necessidades específicas e as vulnerabilidades dos menores. Assim, e a título ilustrativo, i) obrigatoriedade de assistência por defensor em todos os atos processuais sempre que o arguido seja menor de 21 anos; ii) os titulares das responsabilidades parentais do menor, seu representante legal ou a pessoa que tiver a sua guarda de facto são envolvidos no processo penal aquando da constituição do menor como arguido e acompanham o menor durante as diligências processuais a que este compareça; iii) interdição da consulta pública do processo em que participe arguido menor; iv) carácter urgente dos atos relativos a processos em que intervenham arguidos menores, ainda que não haja arguidos presos.
vii. Em que consistem as garantias específicas para os suspeitos vulneráveis?
Além dos menores, as normas de processo criminal portuguesas têm em conta a situação de outros grupos vulneráveis como é o caso dos cegos, surdos e mudos. Neste caso, é obrigatória a assistência de defensor em qualquer ato processual. Na prestação de declarações de um surdo, um deficiente auditivo ou um mudo devem ser observadas as seguintes regras:
- Ao surdo ou deficiente auditivo é nomeado intérprete idóneo de língua gestual, leitura labial ou expressão escrita, conforme mais adequado à situação do interessado;
- Ao mudo, se souber escrever, formulam-se as perguntas oralmente, respondendo por escrito. Em caso contrário e sempre que requerido nomeia-se intérprete idóneo.
D. Quais são os prazos legais aplicáveis durante o inquérito?
O inquérito tem de ser encerrado no prazo de 6 meses se houver algum arguido preso (ou sob obrigação de permanência na habitação), ou de 8 meses se não houver arguidos presos no caso de crime de terrorismo ou de criminalidade violenta ou altamente organizada e no caso de crime punível com pena de prisão superior a 8 anos.
O prazo de 6 meses para a realização do inquérito pode ser prorrogado para 10 meses nos processos de excecional complexidade, e para 12 meses nos casos de crime de terrorismo ou de criminalidade violenta ou altamente organizada e no caso de crime punível com pena de prisão superior a 8 anos.
E. Em que consistem os preparativos anteriores ao julgamento, incluindo as alternativas à prisão preventiva e as possibilidades de transferência para o país de origem (Decisão europeia de controlo judicial)?
Um inquérito é aberto quando o MP ou um OPC têm notícia de indícios da prática de um crime. Tratando-se de crime público, a abertura de inquérito é obrigatória. Se se tratar de crime semi-público ou particular, é necessário que o ofendido apresente queixa.
A titularidade do inquérito cabe ao MP assistido pelo OPC. Esta fase compreende a recolha de provas da prática de um crime e a identificação do seu autor.
Durante o inquérito, o juiz de instrução tem competência exclusiva para:
- interrogar o suspeito no prazo de 48 horas após a detenção, nos casos em que este tenha sido detido pela polícia e não deva ser de imediato julgado;
- aplicar qualquer medida de coação que não consista em termo de identidade e residência;
- autorizar escutas telefónicas e digitais, apreensão de correspondência, buscas domiciliárias e buscas a escritórios de advogados, bancos, consultórios médicos e estabelecimentos oficiais de saúde;
- concordar com a suspensão provisória do processo;
- autorizar certas perícias e exames;
- declarar a perda de bens a favor do Estado;
- outros atos que a lei expressamente faz depender de ordem ou autorização suas.
Correndo inquérito contra si pela suspeita da prática de um crime, pode requerer a constituição formal como arguido, perante autoridade judiciária ou OPC. A constituição formal de arguido é feita através da entrega de um documento de que conste a identificação do processo e do defensor, e os direitos e deveres processuais que lhe assistem. Se a notificação formal como arguido for feita pelo OPC, deve ser validade pelo MP.
Encerrado o inquérito, o MP decide arquivá-lo, suspendê-lo provisoriamente, mediante certas condições, ou deduzir acusação.
Após a acusação pelo MP, caso o arguido não requeira instrução, o processo segue para fase de julgamento.
A fase de instrução tem carácter facultativo, sendo seu titular o juiz de instrução, tendo como finalidade a comprovação judicial da decisão de arquivamento do inquérito ou da dedução de acusação. A instrução compreende o conjunto de atos de instrução que o juiz de instrução entenda levar a cabo (por exemplo, a inquirição de testemunhas ou a obtenção do parecer de peritos), que se afigurem necessários para que o juiz de instrução possa avaliar a decisão do MP. Termina com um debate instrutório, em que, além do arguido, podem participar o MP, o advogado ou defensor e o assistente (mas não as partes civis).
Além da prisão preventiva, o Código de Processo Penal prevê como outras medidas de coação i) termo de identidade e residência; ii) caução; iii) obrigação de apresentação periódica; iv) suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos; v) proibição e obrigação de condutas; e vi) obrigação de permanência na habitação com ou sem vigilância eletrónica.
Em certos casos é possível ser transferido e cumprir a pena no Estado‑membro que requereu a entrega. O mesmo ocorre relativamente a Estados terceiros. Tratam-se de casos de condenação pela prática de um crime, ou pela tentativa que seja punível no Estado-membro requerente com pena de prisão não inferior a 1 ano. A parte da pena de prisão por cumprir não pode ser inferior a 4 meses. A transferência não é automática: é precedida de pedido do interessado e de um procedimento específico.